COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Delegada na área Literária (Secretaria Municipal da Cultura).

2ª quinzena de junho de 2010 - Coluna 132
(Próxima coluna: 3/7/2010)


“Queridos amigos”

Parte I - lendo entrelinhas (ou traduzindo reticências)

          Sou uma pessoa direta, franca. Posso até não agradar, às vezes, mas também não ganho pra isso (agradar e ser falsa).
          E prefiro ser dessa forma: francamente aberta, sincera (até demais!). Mas se há uma coisa que não suporto é gente que fala e escreve com e através de reticências. Afinal, o que quer dizer o uso abusivo dos três pontinhos em conversas ou por escrito? Falta coragem, convicção, a palavra exata fugiu, ou qual é o problema?
           Outro dia, conversando via MSN com uma amiga, aliás, “conhecida” (pela conclusão da conversa que tivemos), ela dizia: “sexta-feira saí com amigos verdadeiros...” Bem, depois dessa, nem preciso dizer que o nominho da moçoila mudou de lista, ou seja, passou dos possíveis amigos para os improváveis, ou para os conhecidos – palavra antipática, que, pra mim, não quer dizer nada. Conhecido, em minha modesta opinião, é a pessoa que você cumprimenta por obrigação, atura por conveniência social, conversa amenidades como o tempo, a música de fundo do barzinho que está alta, sempre uma reticência ao final da conversa (lá vem os três pontinhos de novo!).
          Mas quando a coisa aperta, tem gente que chega te abraçando e já com a expressão pronta, na ponta da língua: “Minha amiga...” Danou-se! Essa pausa dos três pontinhos reticentes no final da expressão já quer dizer tudo, ou quase tudo. Lá vem pedido de favores, solicitação de dinheiro emprestado a perder de vista (e perde mesmo: perde a grana e o “amigo”, vulgo o próprio ou aparentado do Gardelon). Pior de tudo é quando esse tipo especial de amigo, que nunca devolve a grana, resolve desconstruir tudo o que você faz, passa a criticá-lo, como um escudo de defesa, uma ameaça, escondida e trancada nas entrelinhas, que só ao colocar a lente você consegue ler a cláusula leonina: “se falar que eu devo, falo mal de você.” É pra acabar ou não é?
          Aliás, essa coisa de olhar feio e nem cumprimentar é coisa até comum entre ex-casais. Cadê a civilidade, minha gente? Quer dizer que quem acaba um casamento simplesmente passa uma borracha em tudo que viveu junto e transforma o amor em ódio de um dia pro outro? Negar que amou, que transou, que era bom, por nada? Só pra manter a pose de mau, talvez?...
          E ex-marido sempre tem um novo amigo que você conhece. É o amigo estraga-prazer: aquele que te encontra num evento, você acompanhada, e ele solta na maior descontração: falo todo dia com teu ex-marido! Que bom, né? Sorte sua , você responde. E quem te acompanhava nem telefona mais, o que dirá viajar alguns quilômetros pra te rever: dançou na batatinha sem maionese...
          Não podemos nos esquecer do eterno carona. Tem carona que é mala sem alça, um verdadeiro baú sem rodinhas, daqueles que riscam todo o chão da sala que você acabou de encerar. Ninguém nasce com rodas, que eu saiba. Eu, ao menos, não nasci com motor, não me alimento de gasolina, não calibro o pneu. A criatura tem a coragem de perguntar: “É muito fora de mão você me dar uma carona?” Imagine que você se encontra em São Paulo, o cidadão mora no Rio de Janeiro e você no Paraná... E ele ainda tem a coragem de dizer que o Rio de Janeiro fica no caminho pro Paraná, onde você mora!
          Misericórdia, Senhor!
          Agora, junte tudo isso e acrescente à lista o “amigo estrela”. Aí não tem pra ninguém: você tem que cuidar de cada frase, cada opinião; vira, você próprio, o rei das reticências, pois ele (ou ela) se ofende com tudo, principalmente quando não é objeto de fartos elogios e atenção. Esse tipo também é conhecido como “amigo mimimi”, pois tem sempre um biquinho pronto, quando se sente de lado ou acha que não está recebendo toda a atenção da qual pensa ser merecedor.
          As reticências também permeiam muitos textos de “novos autores” que se acham por aí (principalmente pela internet, onde os sites repletos de enfeites de flores e passarinhos infantis poluem a visão): na falta de saber a pontuação exata, dá-lhe três pontinhos. Pelo que tenho observado, as reticências, nos dias de hoje, em época de pouca cultura, quase nenhum domínio da língua escrita e a ânsia de aparecer nos domínios virtuais, tornou-se substituição para as entrelinhas.
          Não, não vou explicar: procurem no dicionário, tentem a inteligência e a sapiência de saber escrever nas entrelinhas, pratiquem o idioma pátrio, leiam (muito, por favor, e de preferência bons títulos), ou voltem pra escola. Ah, o Santo Google, pai dos burros virtuais, nesses casos também pode ajudar muito.
          E nem reclamem, queridos “amigos reticentes”, por serem citados. Afinal, nem contei seus nominhos; mas, se a carapuça serviu, acho que é melhor ficarem em silêncio pra não se entregarem...
          Três pontinhos PT
          Câmbio final e desligo.


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