COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 73 - 06/19/2009
(próxima: 21/10/2009)

          

Quem seria eu?

Hoje com a tecnologia, ignoramos os problemas e as dificuldades de outros tempos. Imagino que não podemos passar sem a conexão perfeita da internet em nosso computador. Mas esta história contada, pelo descendente de uma pessoa  muito especial, emocionou-me pelas dificuldades e porque mulheres como essa indubitavelmente, fizeram o mundo caminhar. Bil Gates ou outros não teriam chegado à genialidade se não fossem pessoas simples e corajosas que primaram por enxergar o futuro escuro e sem horizontes: Os heróis ocultos.

Por volta do ano de 1910 um casal que tivera muitos filhos numa fazenda do interior de Minas, distante, sem os meios de comunicação que dispomos e nem a civilização próxima, uma senhora que não tinha outra atividade senão uma vida humilde e doméstica contemplou a natureza e pensou o quanto tudo parava ali se não houvesse progresso. Seus inúmeros filhos seriam simples e pequenos fazendeiros a tirar da terra seu próprio sustento. Alguns poderiam ficar revoltados e infelizes ou trilhar uma estrada dolorosa. E pensou como era injusto que eles não tivessem o direito de optar pelo conhecimento apenas  porque não havia os meios para isso num lugar ermo e sem condições.

Ela estudara nove meses e sabia ler, escrever o necessário e contar, mas almejava para outra geração muito mais. A vida não podia parar indefinidamente até que o progresso chegasse. Inúmeras crianças cresciam também nos arredores. Tudo isso passou pela sua cabeça dias e meses a fio até que desejou procurar uma autoridade.

Uma manhã que amanhecera premida pelos sonhos, montou em seu cavalo, à caminho da cidade. Era longe, mas chegaria lá. Iria até Contagem e daí tomaria o trem para a capital. Chegando ao seu destino  dirigiu-se ao palácio do governo e sem nenhuma  vergonha e com altivez comunicou ao funcionário  que ali estava para falar com o governador do estado. Naquela época tudo era mais fácil em relação às autoridades e pelo menos nos estados eles  se chegavam com mais facilidade até seu povo. A pessoa que a atendeu perguntou o que ela desejava. Vendo uma senhora bonita, simples, decidiu ajudá-la.
-Quero falar com o governador, moro no interior, numa fazenda e quero que lá tenha uma escola. Abro espaço na minha fazenda para que instalem uma escola.

O homem ficou a olhá-la sem no começo compreender palavras tão sérias vindas de uma mulher destemida, mas desconhecida   e decidiu realmente ajudar aquela pessoa. Visionária ou não, merecia uma resposta. E sabemos o quanto a mulher naquela época não tinha força suficiente para ser ouvida com credibilidade. Orientou-a serenamente afirmando que ela tinha que falar com o secretário de educação.

Dna Josina, enfrentou o olhar duvidoso do seu interlocutor :
– E quem pode me levar até lá?

Observando-a decidida e sentindo uma profunda admiração naquele momento depois de saber sua singela história decidiu levá-la ao Secretário. Ali Dna Josina ficou longo tempo até que um auxiliar resolveu ouvi-la. A verdade é que o Secretário de educação se entusiasmou por aquele projeto proposto  por uma mãe que não havia estudado nem um curso completo, vivia no interior, mas tinha a clarividência de enxergar o porvir de uma maneira tão concreta.

Ela dizia;
– Excelência, quero que meus filhos possam escolher seu destino e ter cultura, estudar, conhecerem um mundo diferente, mesmo que depois decidam ficar trabalhando lá.
– E na Fazenda  há condições de instalar condignamente uma professora bem como dependências para ter uma sala de aula?
– Sim, excelência, eu lhe garanto que sim. Só não temos mais  condições de ver crianças inteligentes, sem estudar e sem planos para o amanhã. Somos pequenos fazendeiros, mas temos condições de receber professoras com dignidade e as dependências necessárias. Mas podemos ser visitados.
– Pois então, Dona Josina eu autorizo com muito orgulho a escola em sua fazenda e sinto-me feliz de conhecer uma patriota em defesa do Brasil de amanhã.

Foi instalada uma escola na fazenda e alguns professores passaram a fazer parte desse objetivo. Tudo cresceu  para esse clã e outras famílias que moravam nos arredores. Iniciou-se enfim a marcha para o futuro. As crianças faziam o primário e partiam para a cidade mais próxima, ficavam em casas de parentes e continuavam seus estudos. Assim só na família de Dna Josina houve muitas professoras formadas, um padre e outros que seguiram diversas estradas, mas estavam aptos a escolher seu destino. O grande professor e advogado que me contou essa história, neto dessa magnífica mulher em suas reflexões pergunta-se continuamente se não fosse a perspicácia de sua avó onde ele e dezenas de pessoas que já passaram seu conhecimento para outras, estariam nesse momento.

Claro que é um orgulho cuidar da terra, mas foi dado a seus descendentes, amigos, vizinhos o direito da escolha livre. E hoje esses descendentes que primam pela cultura e pelo saber e ajudam o país com seu conhecimento poderiam estar simplesmente segregados numa vida que não desejavam e sem o horizonte, luz e perspectiva de qualquer crescimento. Enalteço Dona Josina cujos ideais vieram do altruísmo, sonhos que entregava a seus descendentes, intuindo que a educação seria primordial para o desenvolvimento de outras gerações. Naturalmente  foi uma das responsáveis pelo progresso do país bem como nossos grandes inventores ou gênios.

E o neto de Dna Josina pergunta seguidamente: “Se não fosse a coragem e iniciativa de minha avó quem seria eu?”

Observação: Dona Josina Matos com o pequeno fazendeiro Sr Zeca tiveram 21 filhos dos quais 13 sobreviveram.

 

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