Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel
Nº 126 - 2 ª quinzena de fevereiro 2008
(próxima coluna: 10/3)
O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra
FOTOS DE ALGUNS PERSONAGENS (FILETO PIRES FERREIRA, EDUARDO RIBEIRO, W. SCHOLZ, ETC.) E LUGARES DO "TEATRO AMAZONAS" EM: http://www.flickr. com/photos/ 12439475@ N05/sets/ 72157603842512154/
"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)
6. O GOVERNADOR FILETO PIRES FERREIRA DEFENDE SUA HONRA
1902. No “Bosque Club”. Lima Silva, Marinalva e Waldemar Scholz.
– Assim o encontrou Fileto Pires Ferreira, concluiu Lima Silva, para Scholz.
Naquele dia, Lima Silva estava acompanhado de Marinalva. Sabia que Scholz não se importava. Era uma “amiga”. Marinalva, durante as brigas, gritava:
“Você tem vergonha de mim!” “Você nunca sai comigo!”
– E estas recentes acusações, que agora se fazem, contra Fileto? perguntou Scholz.
Eles estavam passeando na alameda das orquídeas do “Bosque Club”, um elegante clube inglês de Manaus.
– Todas falsas, respondeu o outro.
Ao chegar no bar, sentaram-se numa das mesas, encomendaram os “Blacks”. Lima Silva ficou temeroso. Sabia que Marinalva, depois do terceiro uísque, perdia a compostura, chegava a ”flertar” com todos os homens. Ela estava ainda mais interessante, apesar de mais velha. Muito elegante, bem vestida, no rigor da moda de Paris, ao contrário das demais caboclas Marinalva naquela idade continuava em forma. Até perto dos sessenta anos ela continuou uma mulher atraente, sexy.
– Não se ouviu o acusado, Fileto que não teve o direito de defesa. Processaram o ex-governador sem respeitar os prazos. Nem se publicou a acusação. Fileto não poderia defender-se, porque nem sabia de que o acusavam.
– Agora sabe.
– Sim. Mas não se enviou a acusação ao acusado e a Comissão Julgadora é toda constituída pela oposição.
– Quem o denunciou?
– Um novato em Manaus. Um novato. Recebeu em troca a linha de navegação rendosa, e seu irmão ganhou o privilégio de abrir uma fábrica de pólvora em Manaus e foi nomeado Diretor da Secretaria do Congresso.
– Não diga? perguntou, Scholz, surpreso.
– Sim. E mais. E mais. Atribuíram ao ex-secretário de segurança, Guido de Sousa, cunhado de Fileto, atos criminosos, violência, tortura, estupros, mas não apresentaram o nome de nenhuma vítima. Inventaram tudo, ou se basearam em boatos.
– Que horror!
– A outra denúncia foi de que Fileto teria sacado milhares de libras esterlinas na Pussinelli, Prusse & Co, mas a casa exportadora negou tudo, por documento escrito e assinado pelo Pussinelli. Apenas D. Maria Lucrecia, esposa de Fileto, tinha sacado para si dois contos, coisa de família, não do Estado.
– Estou estarrecido.
– Sim, houve outra denúncia. Disseram que Fileto fez contratos milionários, mas ele provou que todos os contratos eram legais e tiveram concorrência pública. Acusaram também de ter desapropriado terras como a parte mais alta da Av. Eduardo Ribeiro, que foi divida em duas e ali construído um jardim. Fileto também provou a legalidade disso. Dezenas de obras foram feitas por Fileto em 19 meses de governo. Assumiu em 23 de julho de 1896, recebeu o estado endividado, num déficit de 4 mil contos. Deixou um superávit de 9 mil contos. Recebeu o Estado com as obras paradas por falta de verba e teve de fazer um empréstimo para pagar o funcionalismo. A justiça estava amordaçada, os orçamentos tinham verbas ilimitadas. Se fosse desonesto não teria acabado com tudo isso. Irritou os homens do seu partido, principalmente Eduardo Ribeiro. Fileto pediu ao Governo Federal uma devassa no seu próprio governo. Não conseguiu. O Federal estava envolvido, temia a devassa. Fileto pediu intervenção federal. Não conseguiu. O governo federal se apressou em abafar o caso. Fileto escreveu um livro, onde fez um balanço de seu governo. É um livro muito bem escrito: “A verdade sobre o caso do Amazonas”. Terminou de escrever em 22 de julho de 1900.
– Fileto Pires Ferreira foi o homem público honesto mais caluniado de seu tempo!
– E a carta de renúncia era falsa. Foi escrita por Aristides Bayna e a assinatura foi falsificada pelo vice-governador Ramalho Junior. Fileto assumiu em 23 de julho de 1896 e licenciou-se em 4 de abril de 1898 para tratamento de saúde em Paris. Chegou em Paris em 14 de junho de 1898 e já no mesmo dia recebeu, no “Grand Hotel” onde se hospedara, telegrama de Ovídio Abrantes e Manoel Lages para que voltasse, pois iam cassar sua licença. No dia 4 de julho foi operado pelo Dr. Guyon, em Paris, no Hospital Necker, clínica das vias urinárias. Jean Casimir Félix Guyon (1831-1920) é considerado o fundador da moderna urologia. Publicou “Leçons cliniques sur les maladies des voies urinaiares” em 1881, um alentado tratado de 998 páginas.
– Mas não disseram que ele estava passeando?
– Calúnia, disse Lima Silva. Ele devia ter um cálculo renal, que era a especialidade do dr. Guyon. Se Fileto estivesse passeando não escreveria um livro de 180 páginas para se defender.
– Certamente.
– Fileto voltou em segredo, contra a prescrição do seu médico, no dia 16 de julho. Já em Lisboa se sabia que ele estava voltando de Paris. Em Paris morava João Serejo, em companhia da família de Fileto. Em Manaus os deputados não compareciam para não haver reunião para a cassação da sua licença médica. Houve um banquete no dia 1° de julho em homenagem a Fileto, em Paris. Mas ele já estava cassado, sem saber, pela falsa carta de renúncia, que é do dia 27 de junho de 1898. Fileto despachou com o Presidente do Brasil em Paris. Mas ele não gostava de política, não pensava em continuar na política...
– Quem seria o sucessor?
– Ele não pensava em sucessor e por isso não se sinteressou em montar partido para favorecê-lo. Esse foi seu erro. Fileto era um romântico, acreditava nos homens. Nos amigos. Todos o traíram pelas costas. Até os Secretários de Estado. Era impossível prever que ele seria traído pelos mesmos personagens que o homenagearam em 16 de março, na partida, com uma placa de ouro com seus nomes. Velhos camaradas o traíram.
– Eu não sabia...
– Na Ilha da Maneira, recebeu outras más notícias. Em Belém, a 4 de agosto, foi recebido pelo Governador Paes de Carvalho, que não reconheceu o Governo ilegal de Ramalho Junior. Ali ele soube que seu cunhado, Guido de Sousa, tinha sido demitido e estava escondido. Os familiares de Fileto saíram às pressas de Manaus. No mesmo dia em que chegou partiu para reassumir seu posto de Governador do Amazonas. No meio da viagem o advertiram de que não devia ir sem força militar para reaver seu posto, pois estavam dispostos a prendê-lo...
– Por que tudo isso? – perguntou Scholz.
– A razão talvez seja a concessão das obras do porto de Manaus. Além disso, Fileto fez um discurso comprometedor, em Paris, e elogiou Campos Sales, odiado pela elite amazonense.
E depois de um gole de uísque, Lima Silva tomou fôlego e disse:
– Um dos culpados pela deposição de Fileto foi o ex-Governador Eduardo Ribeiro, que era Presidente do Congresso desde 15 de julho de 1898 (a falsa carta é de 27 de junho). A falsa carta de renúncia foi apresentada e aceita pelo Congresso no dia primeiro de agosto de 98. A carta e a assinatura foram falsificadas na presença de Eduardo Ribeiro. Nunca se deve dizer que Fileto era um pupilo de Eduardo. Fileto Pires Ferreira era melhor do que Eduardo Ribeiro. Teria feito um governo muito mais importante.
– Posso tomar um sorvete? – perguntou, dengosa, a bela Marinalva.
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