Coluna de 23/9
(próxima coluna: 9/10)
Segredo: Sinfonia de Intimidade
Nada liga mais duas pessoas que um segredo: esta cisterna que doamos ao outro. É onde está nossa água mais límpida, mais distanciada do sol.
Segredarmo-nos a uma pessoa é um ato de coragem, de confiança no silêncio. É desacreditar na natureza geralmente comunicativa e distraída do humano.
Mário Quintana, com aquele seu humor quase impiedoso, nos aconselha: “Não te abras com teu amigo / Que ele um outro amigo tem. / E o amigo do teu amigo / Possui amigos também.” Então, confiar a alguém o que nos habita os recônditos, exige uns assassinatos internos: precisamos matar a dúvida, a insegurança, o temor de sermos revelados a qualquer hora. A verdadeira traição é desnudar um segredo. É ser possuidor da fragilidade alheia e jogá-la à fome pública.
Por outro lado, carregar um segredo de alguém é trabalho de semideus. É como assumir um escuro que não nos pertence. Ser parte de outro caos.
Aquilo que um indivíduo mantém escondido, ainda não é o segredo, mas apenas quando ele entrega seu mistério a um outro. Neste momento, lavram-se as terras propícias para a confiança e o segredo nasce.
Aparentemente, o amor é o campo mais propício ao segredo, mas de maneira geral, ele reserva muitos pastos para o egoísmo e não resiste às coisas que o ferem diretamente. O amor é frágil, precisa de canduras. Quase sempre, segredos trazem tristezas, covardias, derrotas: uns tais desmazelos que fazem o amor sucumbir.
A família também não é terra propícia para segredos graves. Os pequenos, sem envergadura, até não mancham as relações familiares. Mas os pesados, os que desafiam a capacidade de perdão, podem gerar manchas difíceis de sair. A família aceita carregar o segredo, mas existirá no olhar um misto de culpa e condenação. Melhor seria não saber.
Por certo, é difícil desafiar as palavras de Quintana: compartilhar um segredo incorre em perigos vastos, imaginar público o que temos de mais secreto causa um estranhamento considerável. Mas andar por aí, com algo que nos desmonta, que nos pesa a alma, também não é fácil. Por isso, é na amizade que se configura o grande espaço para o segredo. Este tipo de relação humana tem um poder de aceitação do semelhante maior do que qualquer outro sentimento. A amizade, por sua natureza mais doadora que receptora, agüenta coisas que podem transitar entre a vergonha e o medo, que podem impor rédeas à vontade de julgar, que podem ultrapassar o entendimento, mas jamais irão ultrapassar a aceitação.
A amizade não se perturba com o segredo, na verdade se fortalece com ele. Ao dividi-lo, amigos compõem uma sinfonia de intimidade que se não for rompida por um desafinamento qualquer, permanece como o mais alto grau de proximidade entre duas pessoas.
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