Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 137 - 1ª quinzena de agosto 2008
(próxima coluna: 25/08)

O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra

FOTOS DE ALGUNS PERSONAGENS (FILETO PIRES FERREIRA, EDUARDO RIBEIRO, W. SCHOLZ, ETC.) E LUGARES DO "TEATRO AMAZONAS" EM: http://www.flickr. com/photos/ 12439475@ N05/sets/ 72157603842512154/

"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)


           17. QUEM FOI EDUARDO RIBEIRO?

           Waldemar Scholz colocou a espingarda Winchester na mesa baixa e pôs-se a acender o charuto. Olhava a margem longínqua do Rio Negro, em frente.
            Francisco Ferreira de Lima Silva esperou que Waldemar Scholz terminasse de acender o charuto. A fumaça elevou-se no ar onde, ao longe, um solene gavião amazônico fazia seu vôo lento e traiçoeiro.

            – Você bebe qualquer coisa? perguntou Scholz, sacudindo no ar o seu grande anel de treze diamantes.
            – Sim, obrigado, respondeu Lima Silva. Um refresco, disse.
           Scholz tocou a sineta e a jovenzinha índia, muito sorridente e bela, apareceu.
            – Traga refrescos, disse. De açaí, completou.
           Scholz ainda falava um português excelente, quase sem sotaque.

           Lima Silva e Scholz continuavam grandes amigos, como há anos. Riquíssimo, muito culto, Scholz tinha poucos amigos. Custou a aprender a falar português, que depois dominou à perfeição. Durante anos preferiu a pequena colônia alemã. Pequena, mas ativa. O “Clube alemão” era uma casa de diversão e reunião de artistas e intelectuais, alemães ou não. Antonio Bittencourt, pai do professor Agnello Bittencourt, o freqüentava, para exercitar o alemão. Mas o Clube Alemão teve vida curta.

            Scholz tinha um escritório e um armazém na Rua dos Remédios. Ele fazia compra e beneficiamento da borracha para exportação. Admirava a cultura de Lima Silva, sempre bem informado. E este gostava da convivência com o magnata alemão, de quem recebia favores, viagem para Paris etc.

           Naqueles dias havia muitos boatos sobre o estado mental de Eduardo Ribeiro, que vivia recluso na sua chácara.

           Subitamente Scholz dispara:
            – Meu amigo, quem é este Eduardo Ribeiro? – e voltou a apontar a Winchester 73. Com o primeiro movimento, elevou o cartucho do carregador para o nível do cano. Com o segundo, para trás, o cartucho foi introduzido no cano. Depois, ao puxar o gatilho, disparou a arma em direção do espaço.
           Scholz adorava armas. Era um colecionador.

            – Como assim, indagou, Lima Silva.
             – De onde vem, quem são seus pais? quis saber Scholz.
            – Bem... respondeu Lima Silva, reticente. Ele não tem, digamos, nenhuma origem importante. Nasceu em São Luís do Maranhão, família muito pobre. Nem se sabe o nome de seus pais. Seu pai era filho de escravos, e tinha a cabeça fraca. Morreu louco.
           Houve um silêncio.
            – É verdade? – retrucou Scholz, depois de outro tiro.
            – Sim, é verdade.
            – Ele é ateu?
            – Não sei. Deve ser positivista.
           Depois de um gole de refresco, Lima Silva acrescentou:
            – O baixinho é militar, engenheiro, estudou na Escola Politécnica, foi lotado no 3? Batalhão de Artilharia, sediado aqui.
            – O mesmo onde serviu o Floriano Peixoto, aqui em Manaus, não é? – acrescentou Scholz.
            – Sim, sim, confirmou Lima Silva, cruzando as pernas. É onde se devem ter conhecido. Foi promovido a Capitão em maio de 1891, viajou para o Rio de Janeiro para assumir o cargo de professor da Escola Superior de Guerra. Mesmo morando no Rio de Janeiro, continuava participando da política amazonense. Quando retornou a Manaus, assumiu novamente o governo, em março de 1892.
            E depois de uns instantes de silêncio, falou:
            – Ele tem um problema... – disse Lima Silva.
            – Problema? – perguntou Scholz.
            – Sim, uma certa disposição para a... depressão.
            – Como seu pai? Explique: Eduardo Ribeiro é louco? – perguntou, espantado, o velho alemão.
            – Sim e não. Não sei. Não é exatamente louco, mas, digamos assim, tem problemas mentais.
            – É um homem estranho, disse Scholz.
            – Sim, um misantropo, um solitário, um casmurro.
            – Por que nunca se casou? quis saber Scholz, sabendo que Eduardo Ribeiro tinha tido um romance oculto com D. Marinalva, esposa do seu amigo.
            – Não sei, respondeu Lima Silva. Dizem que vive com uma senhora e que tem um filho. Mas nunca se viu nada, nunca se soube de nada.
            – Um filho? exclamou Scholz.
            – Sim, respondeu o outro. Uns dizem que o rapaz mora em Minas, outros no Rio de Janeiro.
            – Onde estará este filho?
            – Ninguém sabe.
            – Ele é republicano ou monarquista?
            – Um republicano não muito convicto. Um republicano como todos os outros cadetes de sua idade. Ele gosta de ser chamado “cidadão”. Costuma dizer que, pobre ou rico, todos são iguais na República. Demonstra muito respeito pelo cidadão comum...
            – Como ele mesmo, um cidadão comum.
            – Sim, concordou Lima Silva. Ele é um homem do povo, veio do povo. Por isso é tão amado pelo povo.
            – Como Napoleão, ironizou Scholz. E odiado das elites...
            – Sim.
            – Ele é muito competente. Administrou o Estado com a precisão de uma máquina, com uma precisão matemática.
            – Sim, meu amigo, disse Lima Silva. Mas não seria nada sem seu Secretário de Estado, o Fileto Pires Ferreira.
            – Eduardo Gonçalves Ribeiro é formado em quê?
            – Matemática, respondeu o outro?
            – Sim.
            – Por isso as obras avançaram, as decisões não tardavam, tudo era agilizado, sem burocracia, sem atraso. Tudo obedecia a um cronograma, tudo era resolvido no seu tempo, no menor tempo possível. Ele realizou uma grande quantidade de obras ao mesmo tempo, na capital e no interior, e tudo fluiu com uma precisão matemática. E todos o obedeciam.
            – Ou o temiam.
            – É verdade. Ele é uma espécie de ditadorzinho e todos o temem. Autoritário, arrogante, gosta de humilhar os poderosos, os brancos, os ricos, mostrar que é superior.
            – Porque é negro, pisa nos brancos. E fez uma infinidade de inimigos na classe dominante.
            – Sim, Scholz, sim. Tem inimigos por toda a parte. Conspiram contra ele. Chego a dizer que sua vida corre perigo.
            – Ele é o primeiro Governador negro do Brasil.
            – Sim, é ele

            Naqueles dias, era moda a elite econômica amazonense dizer: “É preciso acabar com o negro!”, referindo-se a Eduardo Ribeiro, ao Governador do Estado, o homem mais poderoso da história do Amazonas que, em quatro anos de mandado, transformou Manaus de uma aldeia numa cidade moderna, conforme ele próprio declarou na mensagem ao legislativo. Ele planificou e nivelou a cidade, fez grandes nivelamentos e desaterros, removeu entulhos, aterrou igarapés e valas, construiu grandes muros de contenção que ainda hoje podem são vistos nos fundos da escola normal, na atual rua Simão Bolívar. Ele abriu vias e estradas, fez lombadas, abriu ao trânsito os caminhos. Ele fez em seu governo o que ninguém conseguiu fazer, nem antes nem depois, como a canalização da água (usada até hoje), o grande reservatório de água que ainda existe e tem inscrito o seu nome. Edificou escolas, um gigantesco Palácio da Justiça, várias pontes usadas até agora, o edifício do Diário Oficial, a casa de máquinas de bombeamento de água no Igarapé da Cachoeira Grande. Fez o prolongamento da estrada Epaminondas até a longínqua Colônia João Alfredo. Fez os calçamentos e retificação das ruas, alargou várias praças. Erigiu vários monumentos. E principalmente continuou e quase terminou a construção do monumental Teatro Amazonas.

            – Quem é este homem, voltou a indagar W. Scholz.
            Lima Silva não respondeu. Depois disse:
            – Sua maior obra não seria o Teatro Amazonas, disse Lima Silva.
            – Qual então? – quis saber o velho alemão.
            – Seria o Palácio do Governo, o seu Palácio, o “Palácio de Eduardo Ribeiro”, respondeu Silva. Está projetado para ser o maior edifício já construído no Brasil.

           Scholz disparou outro tiro. O estampido foi ouvido à distância.

           Palácio do Governo nunca foi concluído. A parte que já estava edificada foi demolida no governo de Silvério Nery. Pouco antes de sua morte, Eduardo Ribeiro gritava, no leito de morte:

            – Não deixem que meu palácio seja demolido...

           Depois que deixou o governo, Ribeiro candidatou-se ao Senado em oposição a Guilherme Moreira, e ganhou a eleição. Porém a manobra política dos seus inimigos não permitiu que ele tomasse posse. Depois, foi eleito Deputado Federal pelo Amazonas, ocupando esta função até sua morte.
           – O povo o ama, disse Scholz, disparando outro tiro.
           – O povo o matará, retrucou Lima Silva.


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