Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 50
(Próxima:20/7)

O belo Adônis

Adônis aparece desde a Antigüidade relacionado a mitos vegetais e agrícolas e como modelo de beleza masculina. Em uma das lendas sobre sua origem, era filho da relação incestuosa entre Mirra e o pai Cíniras, rei de Chipre. Outra lenda diz que era filho de Smirna (Mirra) e Téias, rei da Assíria. Em todas elas, a rainha teria ofendido Afrodite, a bela deusa do amor, ao dizer que a filha era mais bonita do que a deusa.

De acordo com o castigo ditado pela deusa, Mirra desejou o pai e, com a ajuda de uma criada, uniu-se a ele por doze noites seguidas. Na última noite o rei percebeu o acontecido e perseguiu a filha. A jovem buscou refúgio na floresta e Afrodite, compadecida com seu sofrimento, metamorfoseou-a na árvore de mirra. Meses depois a casca da mirra inchou e se abriu, nascendo Adônis, ou o próprio rei abriu a casca da árvore para retirar o filho e neto. Outra lenda diz que um javali despedaçou a árvore com os dentes para fazer nascer a criança.

Encantada com a beleza de Adônis, Afrodite o entregou a Perséfone, esposa de Hades, para que o criasse. Igualmente encantada, Perséfone se recusou a devolvê-lo. A disputa entre as duas deusas foi arbitrada por Zeus: Adônis passaria um terço do ano com Perséfone, outro com Afrodite, e o restante dos meses poderia passar onde quisesse. E Adônis passava esse tempo sempre com Afrodite.

O deus da guerra, Ares, também era apaixonado por Afrodite. Querendo eliminar seu adversário, fez com que Adônis quisesse caçar com animais ferozes, até o dia em que foi mortalmente ferido por um javali. Outras versões dizem que a deusa da caça, Ártemis, lançou contra Adônis a fúria de um javali em uma caçada. Outra versão conta que o javali era a personificação do deus Apolo, que queria vingar a morte do filho Erimanto, castigado por Afrodite após vê-la se banhando. Adônis morre em todas as versões.

Afrodite correu para socorrer o amante, mas se feriu. O sangue que escorreu junto com o de Adônis se transformou em rosas vermelhas. Outra versão conta que, a pedido de Afrodite, foi transformado por Zeus em anêmona, uma flor de primavera. Zeus consentiu que o jovem ressuscitasse quatro meses por ano e vivesse ao lado de Afrodite. Da mesma forma, quando passam os quatro meses primaveris, a anêmona fenece e morre.

O mito de Adônis se relaciona com os ritos simbólicos da vegetação, como mostram sua descida ao reino de Perséfone, simbolizando a morte da planta nas entranhas da terra, e a subida para junto de Afrodite, simbolizando a vida. Adônis também é considerado o deus oriental da vegetação, do ciclo da semente que morre e ressuscita. A própria Afrodite teria instituído uma celebração anual na Síria para perpetuar a memória do seu amor oriental. Desse modo, a morte de Adônis era solenemente comemorada no Ocidente e no Oriente.

Os festivais anuais ocorriam em cidades egípcias e gregas durante os rituais fúnebres. As mulheres plantavam sementes de plantas floríferas e regavam com água morna, para que crescessem mais depressa. Isso fazia com que as roseiras dessem flores rapidamente, mas rapidamente feneciam. Eram os chamados Jardins de Adônis.

Em uma ode, o heterônimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, relembrou tais Jardins quando aconselhou Lídia a aproveitar o momento presente, pois a vida é efêmera como a flor que é colhida: “As rosas amo dos jardins de Adônis,/ Essas volucres amo, Lídia, rosas,/ Que em o dia em que nascem,/ Em esse dia morrem.”

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