Coluna de Rogel Samuel
Rogel Samuel é Doutor em
Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista,
cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel
Nº 139 - 1ª quinzena de setembro 2008
(próxima coluna: 25/09)
O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra
FOTOS DE ALGUNS PERSONAGENS (FILETO PIRES FERREIRA, EDUARDO RIBEIRO, W. SCHOLZ, ETC.) E LUGARES DO "TEATRO AMAZONAS" EM: http://www.flickr. com/photos/ 12439475@ N05/sets/ 72157603842512154/
"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)
19. A PORTA DAS MIL MORTES
– Morreu Eduardo Ribeiro! – gritavam nas ruas.
– Mataram Eduardo Ribeiro! – gritavam nas ruas.
– Eduardo Ribeiro se suicidou! – gritavam nas ruas.
– Como? perguntou Scholz.
– Foi encontrado morto, perto da porta dos fundos. Enforcado, com a corda de uma rede, sentado no chão.
– Estranho, comentou Scholz.
– Ninguém acredita nisso, disse Lima Silva.
Um dia de alvoroço. A multidão se agitou. A população indagava. O que tinha acontecido?
Era o dia 22 de outubro de 1900.
– Qual a origem de sua força, quando tudo e todos lhe eram tão contrários?
Lima Silva nada disse.
A noite já ia alta. Noite sombria, amarga, aziaga. Ouviam-se, ao longe, rugidos de trovões. A cidade, sinistramente silenciada, aguardava. Às vezes passava um vento soturno que curvava os galhos das grandes árvores. Elas se agitavam e sussurravam como gigantescos fantasmas da noite.
– Ele estava “doente”, em casa. A doença era depressão, ou mesmo loucura.
– Morreu aos 38 anos de idade!
Eduardo Ribeiro residia na chácara junto do seu médico, Menélio Pinto, um alferes e três soldados.
Estava sob rigorosa vigilância.
Naquela noite estava agitado, inquieto.
Pediu um copo de leite.
Quando o soldado voltou com o copo, estava morto.
– Enforcado com a corda de um mosquiteiro.
O quarto tinha uma porta que dava para o quintal escuro e desprotegido. Era fácil um assassino entrar por aquela porta, para matá-lo.
Ninguém investigou nada. Os laudos sumiram.
Ele foi encontrado perto da porta, enforcado, no chão do assoalho, a cabeça pendia para o lado, as costas na parede, as pernas estendidas, vestido de roupa de dormir. Não havia sinais de violência, luta.
Aquela frágil corda, presa por uma pequena roldana no teto, não poderia ter sustentado seu corpo. Os olhos não estavam arregalados, como dos enforcados. Os olhos estavam fechados. Não se fez necropsia, laudo médico, nada. Não havia marca de corda no pescoço dele. O processo policial desapareceu dos arquivos da polícia.
Depois da sua morte, alguns dos seus amigos fugiram de Manaus, com medo. Quando se fez o inventário, o nome do suposto filho não apareceu. Nem da prima e do sobrinho. Surgiu o nome da mãe, Dona Florinda Maria da Conceição, filha de escravos africanos. Dona Florinda protestou em vão contra o desaparecimento de um piano e contra o surgimento de uma dívida. Ele deixou um terreno na esquina das av. Eduardo Ribeiro com José Clemente, outro em Umirizal. E a chácara. Sua fazenda desapareceu. Várias casas que possuía não se leram no arrolamento dos bens imóveis. Ninguém investigou nada.
Os documentos pessoais de Eduardo Ribeiro não foram encontrados.
Depois de sua morte surgiram várias acusações contra ele.
Falou-se pela primeira vez que seu pai também tinha morrido louco. Toda Manaus sabia que o pai era descendente de escravos negros do Maranhão, mas ninguém conhecia a loucura. Na época se dava muito crédito à hereditariedade. A loucura explicou o suicídio. Tornou-se moda criticar o Governo Eduardo Ribeiro. Em todo o país. Coelho Neto escreveu que o novo Governador (Silvério Nery) ia tirar do lodo o Estado. Rui Barbosa chamou Eduardo Ribeiro de “milionário”.
Eduardo Ribeiro era muito jovem quando assumiu o primeiro governo. Tinha 28 anos de idade.
– A morte entrou por aquela porta, disse Lima Silva. A morte invisível. No escuro.
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