Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://www.geocities.com/rogelsamuel

Nº 141 - 1ª quinzena de outubro 2008
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

O 1º capítulo deste importante romance mereceu matéria de página inteira no Jornal "Amazonas em Tempo", em 13/12/07.
Clique aqui para ler a reportagem na íntegra

FOTOS DE ALGUNS PERSONAGENS (FILETO PIRES FERREIRA, EDUARDO RIBEIRO, W. SCHOLZ, ETC.) E LUGARES DO "TEATRO AMAZONAS" EM: http://www.flickr. com/photos/ 12439475@ N05/sets/ 72157603842512154/

"TEATRO AMAZONAS"
(Romance inédito)


            21. Fileto chega ao fim

           
O Governador Fileto Pires Ferreira faleceu na sua residência na rua Visconde de Itamarati, número 116, no Rio de Janeiro, sábado, dia 11 de agosto de 1917.
            Tinha 51 anos. Crise de uremia. Na época, não havia hemodiálise.
            Morreu às 9:50 da manhã.
            Deixou a viúva, D. Maria Lucrécia Pires Ferreira e seis filhos: Alkíndar, Nair, Iberino, Iberê, Ivan e o menino de 10 anos de idade Hélio.
            O enterro foi às 16 horas no cemitério de São Francisco Xavier.
            Segundo o “Jornal do Commércio” do Rio de janeiro do dia seguinte “deixou grande fortuna”. Era mentira. Fileto morreu pobre.
            No dia anterior, o Presidente da República tinha assinado sua reforma, a pedido, no posto de General de Divisão.
            A notícia do jornal omite o fato de ter sido ele Governador do Amazonas. Só diz que ele foi “Diretor da Primeira Seção do Grande Estado Maior do Exército”.
            Com ele, acaba a história do grande Teatro Amazonas.
            O Teatro possuiu três construtores: José Paranaguá, Eduardo Ribeiro e Fileto Pires Ferreira.
            Paranaguá e Fileto vieram do Piauí (como Thaumaturgo). Eduardo, do Maranhão. Dos três, somente Eduardo Ribeiro é lembrado hoje. Erro histórico: Fileto desde que era deputado trabalhou pela edificação. Fileto o concluiu. E o inaugurou.
            Fileto amava o Amazonas. Seus filhos tinham nomes de índios. Seu primogênito ia chamar-se Alkíndar Ipiru Gipipodi Manukaba, em homenagem a três poetas indígenas. A família protestou, não deixou, ficou Alkíndar.
            Sua esposa, D. Maria Lucrécia, de ascendência inglesa, era irmã do Almirante Heráclito Belfort, Duque de Belfort, título inglês.
            O féretro saiu de sua casa, à tarde.
            A rua Visconde de Itamarati existe até hoje e terminava no Derby Clube, hoje Estádio do Maracanã. Na época, era um bosque. Por trás, passava um riozinho sem nome que ia até à Escola Militar de Veterinária, depois Museu do Índio. O Derby Club não era tão rico como o Jóquei. Arquibancadas de madeira.
            A casa de Fileto, ali, tinha dois andares com fachada de pedra. Em frente, uma escadaria em arco. No andar de baixo, num quarto, morava o Dr. Guido de Sousa, solteiro até o fim da vida. Ao redor da casa, um jardim.
            Houve vários oradores no sepultamento. O mais veemente foi Raul de Azevedo, que, comovido, disse:

            “No cenário da política do Norte o General Dr. Fileto Pires Ferreira foi um nome com valores próprios. Foi deputado na Câmara dos Deputados do Amazonas. Homem inteligente, de sólida cultura. Tinha ação, - pronta, enérgica e decisiva. Orador excelente, veemente, arrebatador de assistências, a sua frase tinha calor. Era um homem norteado pelo bem e com atitudes e gestos nobilitantes. Republicano dos melhores. Fui um dos seus companheiros, um dos seus amigos, um dos seus auxiliares na linha da frente pró-Amazonas. Sei bem dos seus sentimentos, dos seus serviços, do seu idealismo. Foi talvez o discípulo mais amado de Benjamim Constant, um dos fundadores da Republica. Possuía uma fotografia do General com a mais alta e nobre das dedicatórias. Ardoroso, vibrante, às vezes impetuoso, era um homem de comando. Há homens que nascem para comandar, assim como outros para serem comandados... Ele era dos primeiros. Trabalhava sempre, trabalhava muito. Pensava de certo com Rojon, – "l'homme le plus heure c'est le plus ocupe". A dedicatória do fundador da Republica vale por uma proclamação, – "Alma pura, coração generoso, francamente aberto aos nobres sentimentos, que mais honram a nossa espécie". Está datada de 1890.

            Prefeito, Deputado ao Congresso do Estado, Deputado ao Congresso Federal, Governador do Amazonas, - ele prestou bons serviços ao País, particularmente ao Amazonas. Difícil será uma síntese dos seus dois anos de governo. Recebeu o dr. Fileto Pires Ferreira o Estado com um deficit de quase 4.000:000$000, e em dezenove meses de governo entregou-o com um saldo em dinheiro de quase 9.000:000$000, e o Amazonas sem dívidas, - e ainda com uma serie avultada de obras! Encontrou todas as construções suspensas, vultosas dividas, e o Tesouro sem dinheiro. Teve que realizar um pequeno empréstimo, no primeiro mês de administração, para completar o pagamento do funcionalismo. Entregou o Estado com todas as obras em andamento, outras iniciadas e com um enorme saldo. Era, pois, um grande administrador! Uma das suas preocupações maiores era a demarcação dos limites do Estado Amazonas e o Pará, ao tempo governado pelo eminente dr. Jose Paes de Carvalho. Secretario do Governo, fiz parte da pequena comitiva, e subscrevi o tratado de limites, que consultava a verdade, a justiça e os interesses de todos. Fileto Pires reorganizou a Justiça do Estado, respeitando os seus direitos, ampliando a sua ação. Acabou com as verbas orçamentárias, ilimitadas e as autorizações contrárias aos interesses do Estado. Fixou as verbas. Deram-lhe, sem que ele pedisse, no orçamento, autorização para contrair um empréstimo de £ 2.000.000, e muitas outras concessões e delas nunca se utilizou. Publicava todos os seus atos. Dava liberdade à imprensa. O seu programa principal foi organizar uma fiscalização séria e rigorosa, e desenvolver fontes de renda. Quando os sertões de Canudos se revolucionaram, Fileto Pires, oficial competente do Exercito, correu em defesa da Republica, enviando forças policiais amestradas para a luta. Tiveram grande êxito, sob o comando do depois general reformado Candido Mariano, falecido. Gritou contra a linha de limites com a Bolívia, que estava sendo traçada, e que esbulhava o Amazonas e o Brasil. Pediu fosse verificada a nascente do Javary. Cuidou dos limites do Amazonas com Mato Grosso. Estabeleceu harmonia e respeito dos poderes, prestigiando-os. Cresceu no seu governo a produção da borracha e devido à baixa cambial, as cifras subiram, apresentando grandes arrecadações, devido também ao seu programa intransigente de fiscalização. Muita vez, com ele, fizemos fiscalizações de embarques. Trabalhou pela instrução pública, desenvolvendo-a, instalando escolas, grupos e cursos. Remodelou-as. A alfabetização do Brasil, de toda a vasta região sob o seu governo, era uma das suas preocupações continuas. Cuidou seriamente da catequese e civilização dos índios. Reorganizou enfim a estatística, serviços de higiene e meteorologia. Abriu novas comunicações estradas. Desenvolveu muito a vida comercial do Estado e, em reconhecimento, a Associação Comercial e todo o alto comércio ofereceram-lhe, antes da sua partida para a Europa, um grande banquete. Alargou, desenvolveu a navegação interna e de longo curso, beneficiando o Estado. Cuidou de regulamentar seriamente a venda e demarcação de terras publicas, acabando com os escândalos profissionais existentes. Reformou o contrato da viação urbana, substituindo a tração a vapor pela elétrica, reformou o seu material, sem maiores agravos para o Estado. Transformou, aperfeiçoando, o serviço telefônico, substituindo as linhas aéreas por cabos subterrâneos. Cuidou dos serviços de imigração. Melhorou o abastecimento d'água e esgotos, calçamentos e nivelamentos da Cidade, fez obras internas e externas em muitos edifícios públicos, inaugurou o belo Teatro Amazonas, cuidou dos Palácios da Justiça e do Governo, do Ginásio, a construção do Instituto Vacinogênico, do desinfetório, da hospedaria de imigrantes, do bosque, parques, jardins. Trabalhava e agia em toda a parte. Era um empreendedor. Fileto Pires Ferreira - escreveu no seu livro sobre a política do Amazonas, esta frase certa, - "é a história que há de confessar os esforços que fiz, no sentido de nobilitar a autoridade que encontrei enfraquecida e rebaixada, a dedicação com que trabalhei para implantar um regime de ordem, disciplina, moralidade e economia". De Milton é o conceito, – tout ce qui fait l'homme un homme est le veritable objet de l' enseignement . O Dr. Fileto Pires Ferreira foi um General e um Cidadão. Era um Homem”.

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