Coluna de Rogel Samuel 
Rogel Samuel é Doutor em Letras e Professor aposentado da Pós-Graduação da UFRJ. poeta, romancista, cronista, webjornalista.
Site pessoal: http://literaturarogelsamuel.blogspot.com/

Nº 216 - 2ª quinzena de maio de 2012
(atualização quinzenal, dias 10 e 25)

Um tiro na avenida

Lendo o delicioso ”Raiz”, de Ulysses Bittencourt, quando, na página 68 me deparo com o seguinte trecho:

“Tempos mais tarde, no ano de 1933, estávamos Aldemir Miranda e eu na Av. Eduardo Ribeiro, quando ouvimos tiro de revólver. Corremos para o local e vimos, já morto, com certeira bala na testa, o capitalista Edgar de Freitas, exatamente na esquina da Rua Quintino Bocaiuva. Circulou depois que ele tomara um empréstimo de quantia vultosa a um amigo, sem recibo e não só deixara de pagar, como ainda ria quando a importância lhe era cobrada. Furioso, o credor o liquidou”.

Imediatamente achei estranha a razão do crime, porque sabia que o Dr. Edgar era homem íntegro. Imediatamente telefonei para o Ronaldo.

A minha estranheza se referia ao boato daquela longínqua época: “Circulou depois que ele tomara um empréstimo de quantia vultosa a um amigo, sem recibo e não só deixara de pagar, como ainda ria quando a importância lhe era cobrada. Furioso, o credor o liquidou”.

Que empréstimo fora aquele? Que riso de escárnio era aquele?

O Dr. Edgar de Freitas era meu tio-avô, ou melhor, foi casado em segundas núpcias com a irmã de minha avó, D. Maria José.

Ele era um homem ilustre, Barão e Visconde de Vilagião, título de nobreza portuguesa. Advogado formado na Inglaterra, falava vários idiomas, tocava violino, e tinha uma preciosa biblioteca que em parte eu herdei.

Quem o matou, segundo relato de seu filho, Ronaldo Freitas, atualmente com cerca de 80 anos rijos, morador de Fortaleza, foi seu ex-sócio, o Senhor X., pessoa conhecida em Manaus, irmão de um famoso Senador da República muito importante, grande jurista, ex-ministro, cujos nomes omito em respeito às famílias.

Ronaldo tinha um ano e meio de idade e, é claro, não se lembra de nada da morte do pai.

Mas contou-me que o Dr. Edgar foi alvejado pelas costas, na nuca. O criminoso saia do Banco Ultramarino e a causa realmente deve ter sido dinheiro. Mas a hipótese da frase: “Circulou depois que ele tomara um empréstimo...” não era verdadeira, segundo o filho Ronaldo, e podemos provar com o que se segue.

O Dr. Edgar devia estar arruinado, financeiramente.

O criminoso era seu sócio e suicidou-se na prisão, com a mesma arma do crime que não lhe fora tirada (foi preso com a arma do crime, era um homem importante).

A viúva ficou tão pobre e desamparada, que “tia” Maria José que tinha dois filhos pequenos, para sustentar os filhos, teve de ser professora primária no Careiro, longe da cidade, indo e vindo de barco, diariamente, e depois nos Educandos, subúrbio de Manaus, que na época se tinha de tomar uma “catraia”, um barco, para lá chegar.

O salário de professora primária era irrisório.

A situação da família só melhorou financeiramente quando faleceu o filho do primeiro casamento do Dr. Edgar, que era aviador militar e morreu em treinamento de vôo. A princípio sua tia do Rio de Janeiro herdara o soldo do oficial, como que era de praxe na época. Até que um comandante vindo a Manaus soube dos dois filhos do Dr. Edgar e viu que algo estava errado e denunciou a que estava recebendo indevidamente. Ela teve de devolver o dinheiro e os pertences a quem de direito, o que não era problema para ela, muito rica que morava na Glória, em casa de quem se davam recepções frequentadas até por presidentes da República.

E a família passou a viver daquela pensão do Exército.

E o empréstimo?

Só se foi daquele Banco Ultramarino, fundado em 1918, em Manaus, cuja inauguração foi filmada por Silvino Santos, filme que desapareceu, como próprio Banco, e os personagens dessa estória. Só estão vivos Ronaldo e eu. Ainda...

E o excelente livro ”Raiz”, crônicas de Ulysses Bittencourt, filho de Agnello Bittencourt.

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