COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Conselheira Municipal da Cultura.

1ª quinzena de abril - Coluna 86
(Próxima coluna: 18/4)

"Lar, doce lar"

Bati a porta da Casa Grande e, mais um vez, contrariada e descontrolada, dirigi-me à Senzala. Não, isso não é um relato do tempo dos escravos! É apenas a situação instaurada em minha "home, sweet home". Todos, na Casa Grande, como eu chamo a parte principal da casa, se dão o direito de jogar, ao invés de guardar, minhas travessas empilháveis de inox, de qualquer jeito. Conclusão: não há mais uma única travessa do caro material sem um amassado, ao menos! Acham pouco? Ah, isso não é motivo para descontrole? Mas, pensando bem, isso traduz algo mais profundo! Ou não?
Há ainda outro fator importante: a maçaneta da porta da cozinha, ao contrário do que ocorre na casa das pessoas normais, aqui, não é girada para que a porta seja aberta ou fechada. Então, hoje eu resolvi que eu agiria como todos mundo da Casa Grande: joguei as travessas de inox de qualquer jeito no armário, o que fez um barulho tremendo, e porrei a porta todas as vezes em que saí ou entrei. E isso se deu por várias vezes, quando eu tinha que jogar algo no lixo, fazendo o almoço, posto que fui obrigada a abolir o uso de lixeirinha na cozinha: o cheiro e a sujeira eram insuportáveis, pq, na Casa Grande, não há um pingo de higiene. O chão da cozinha, originalmente branco, via de regra apresenta manchas decorativas com marcas de pés imundos, dos que não se dão ao trabalho de limpá-los no tapete (que nem sei prá quê) coloquei à porta! Aliás, tapete não: lá eles gostam mesmo é de uma boa, velha, rasgada e encardida toalha de rosto fora de uso por maus tratos na lavagem.
Foi instaurado o caos geral por lá: minha mãe gritava, dizendo que ia embora, que não agüentava mais meus desaforos, que eu nem parecia ser filha dela. Pô...!!! Não segurei a língua dentro da boca e gritei, em desatino: "E por acaso você age como se fosse minha mãe?". Viram, como o buraco é mais em cima? Até a diarista se sentiu no direito de ficar melindrada: saiu chorando, em desespero, cá prá baixo, no Jardim do Abacateiro. Meu filho foi o único a tentar acalmar os ânimos e me trazer de volta à lucidez. Logo ele, que também não sabe girar uma simples maçaneta, limpar os pés ou colocar um simples copo sujo dentro da pia - o que dirá lavá-lo!!!
Numa tentativa estúpida de minha parte, estou tentando me acalmar e voltar à realidade. Sentei-me aqui, na Senzala - a parte posterior da casa, nos fundos, onde tenho, ao menos, um mínimo de privacidade e a companhia do bom senso. Limpeza? Passou por aqui faz tempo: nem prá limpar um simples salão comum e sem um pingo de luxo, me serve a choramingona secretária do lar! Eu? Pô, cara, trabalhei desde menina, estou aposentada, quero usufruir minha quase velhice fazendo o que mais gosto na vida: escrever! Usufruir? Será que tenho esse direito? Mas se nem me deixam bater uma porta e amassar meus inox, como todo mundo faz aqui?!?
Melhor eu me aquietar aqui atrás, arrumar uma solução ou colocar um anúncio no jornal: "Passo o ponto de um manicômio repleto de descontrolados e mal educados. Local arejado, com duas alas, perfazendo um total de 150 m2. Construção nova. Acompanha diarista chorona e de pouca competência, uma senhora de idade tirana e um adolescente mimado. Aceito troca por um quarto com banheiro,linha telefônica e de preferência que tenha um pouco de verde próximo ou um lugar para eu fazer um pequeno jardim - pode ser um vaso de plantas mesmo."
Aí me pergunto: e o marido? Não é meu parente mesmo, então pode ir junto!
Se eu conseguir, juro que viro escritora em tempo integral. E nunca mais quero ouvir falar em família, aquela instituição babaca e mal constituída que só serve para que se fabriquem loucos responsáveis com todas as obrigações, nenhum direito ou refresco para lazer! Isso é que é ser "dona-de-casa"? Tô fora!!!
Bons tempos, aqueles em que eu ainda acreditava em Papai Noel, ia à missa todo o domingo, acreditava que minha mãe me amava, me sentia normal e tinha o sonho de ter um filho!


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