JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Colunas de 28/6 e 6/7
(Próxima coluna 13/7)


  MAU CARÁTER EM ALTA


               Em plena Copa do Mundo, com a seleção brasileira avançando aos trancos e barrancos, e aberta a temporada de caça ao adversário na eleição presidencial, este colunista ousa afirmar que a notícia mais importante da semana não foi a teimosia de Parreira com seu quadrado quadrado, cuja magia só ele  percebeu até agora, nem são as farpas trocadas entre o presidente candidato à reeleição "Lulinha pouca paz e nenhum amor" e seu adversário "picolé de chuchu", companheiro de chapa do "jiló". É, sim, a entrevista dada à revista Veja (nas páginas amarelas), não por um político nem por um jogador ou treinador de futebol, mas pelo escritor de telenovelas Sílvio Abreu, autor de Belíssima, telenovela das nove da noite na Rede Globo de Televisão.
Na citada entrevista, Abreu constatou: "Como sempre acontece na Globo, realizamos uma pesquisa com espectadoras para ver como o público estava absorvendo a trama e constatamos que uma parcela considerável delas já não valoriza tanto a retidão de caráter. Para elas, fazer o que for necessário para se realizar na vida é o certo. Esse encontro com o público me fez pensar que a moral do País está em frangalhos." Ele constatou que, há cinco anos, quando foi ao ar sua telenovela anterior, As filhas da mãe, os personagens bons eram mais queridos pelo público. Agora, não mais! Ele contou, por exemplo, que Alberto, o mulherengo mau caráter que aplicou um golpe sujo para roubar a bela doméstica Mônica, quando esta estava envolvida afetivamente com Cemil, um dos personagens de melhor caráter do enredo novelesco, teve suas ações sórdidas aprovadas pelas telespectadoras dos grupos de pesquisa qualitativa reunidos pela Globo para avaliar a popularidade de seus personagens. Cemil, o operário boa gente, e Júlia, a patroa de bom caráter, são tidos como "chatos".


Et pour cause


É tentador comparar tal constatação com a divulgação dos resultados de pesquisas sobre a intenção de voto do eleitor para a corrida sucessória presidencial. Seria difícil para o filósofo da Grécia antiga Diógenes achar um homem de bem em nossa Pátria hoje e não seria fácil para ele distinguir à luz de sua lamparina um patrício que considere o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ignorante das falcatruas de que são acusados 40 de seus companheiros de partido e da cúpula do governo que chefia. Como isso não abala o favoritismo dele à própria reeleição, é o caso de perguntar se os companheiros José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira não seriam identificados pelo brasileiro comum como "quem faz o necessário para se dar bem".


Realismo é isso


Nem o candidato está imune a uma comparação do gênero. Com sua visão idílica do povo, os luminares da social democracia tucana calculavam, quando estourou o escândalo de corrupção, que este tiraria o presidente do páreo, tornando-o inelegível na prática. Egresso das camadas populares, comungando da elasticidade da moral das classes mais baixas, o chefe do governo não nutre, contudo, esse tipo de ilusão. Realista, ele sabe muito bem que o miserável que recebe a Bolsa Família de seu governo, e não mais da gestão de Fernando Henrique, que a criou, não tem queixas de sua atuação, prefere votar para que ele continue no poder e seja mantida a ascensão social de sua grei, que teve um aumento de renda de 23% nos três anos iniciais da atual gestão.


Gazeta fatal

O brasileiro comum, que torce pelo êxito do vilão bonitão André na novela Belíssima, não tem nenhum motivo de monta para votar em Geraldo Alckmin, Heloísa Helena ou qualquer outro candidato que se oponha ao atual chefe do governo, porque o discurso moralista do PSDB e do PFL simplesmente não o mobiliza. Assim como, em passado recente, há meio século, discurso do mesmo teor, de autoria dos próceres da velha UDN de Carlos Lacerda e do brigadeiro Eduardo Gomes, não afastou as "raposas felpudas" do PSD de longe das chaves dos cofres públicos. Há muitos professores universitários entre os líderes tucanos e seus assessores mais próximos, mas nenhum destes parece ter freqüentado algum dia a aula de História em que se teriam informado a respeito.


Dúvida atroz


Se os mestres de nossas Universidades públicas se interessassem mesmo pelos contribuintes que pagam seus salários e suas aposentadorias integrais e precoces, estariam a esta altura do campeonato pesquisando pra valer o que realmente interessa, no caso. A questão é a seguinte: será a degradação moral da sociedade brasileira a responsável pelo pântano ético em que afunda a elite política nacional ou, ao contrário, foi essa elite que induziu a sociedade, por seu mau exemplo, a seguir essa trilha da perdição? A responsabilidade do eleitorado pela escória que o representa é óbvia, mas também não se pode deixar de lado a possibilidade de o efeito demonstração ter feito estragos de cima para baixo.


Pinga e pau-de-arara

Movido pelo efeito Ronaldo Fenômeno, José Jorge (PFL-PE), candidato a vice na chapa de Geraldo Alckmin, disse que o presidente Lula trabalha pouco e bebe muito. Seu partido abriu a caixa de ferramentas e, aí, tanto o ex-presidente Fernando Henrique quanto o candidato tucano à Presidência associaram o chefe do governo à quadrilha dos 40, denunciada pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. A intenção foi, está claro, reduzir um pouco a distância entre o presidente e favorito e seu oponente. Pode ser que o tiro saia pela culatra: do jeito como estão as coisas, Lula passa por mártir e ainda convence o povão de que seus mensaleiros do peito foram mesmo é torturados nas CPIs.


Uma greve, dois reajustes
Em greve de advertência, os servidores da Polícia Federal estão prestes a instituir nas negociações salariais brasileiras o critério das promoções de supermercado: exigem dos empregadores um aumento linear de 30% agora e a previsão de mais outro de 30% no ano que vem. Se valer o exemplo de 2004, quando algumas categorias de federais levaram 17% de reajuste depois de pressionar o governo, é provável que tenham sucesso. É como naqueles truques de venda em que o consumidor paga um produto e leva outro de brinde: o servidor faz uma greve só e leva dois reajustes de prêmio. Quem paga a conta, o contribuinte, continua refém da violência promovida pelos traficantes de drogas, que a PF não reprime.


Que coisa, hein?!
O reajuste absurdo num país pobre como este, contudo, é pouco, se comparado com a ousadia dos pronunciamentos dos líderes do movimento grevista dos portadores de colete à prova de bala. "Nós fazemos as operações, o governo fatura politicamente e não temos o mínimo retorno. Fazemos a agenda positiva do governo e não temos nenhuma contrapartida", disse o presidente da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (Fenadepol), Armando Coelho Neto. Quer dizer que esses agentes da lei só estão empenhados em defender os próprios interesses e servindo de cabos eleitorais para seus superiores hierárquicos? E ninguém topa enfrentar os asseclas de Fernandinho Beira-Mar arriscando a própria pele?



ROBERTO FREIRE
Com Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, superando o adversário tucano Geraldo Alckmin até no item rejeição, seria natural que o PPS, ex-Partido Comunista, se valesse das mesmas justificativas que gente fina como Alain Touraine e Chico Buarque de Holanda tem dado para apoiar o presidente em nome do primado do social. Ao se negar a fazê-lo, porque "não vota em ladrão", o presidente nacional do partido, Roberto Freire , mostrou que honra pode ser rara, mas ainda não se extinguiu na política nacional.

Colunas anteriores:

01 , 02 , 03 , 04 , 05 , 06 , 07 , 08 , 09 , 10 , 11 , 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , 17 , 18 , 19 , 20 , 21 , 22 , 23 , 24 , 25 , 26 , 27 , 28 , 29 , 30 , 31 , 32 , 33 , 34 , 35 , 36, 37, 38 , 39 , 40 , 41 , 42 , 43 , 44 45 , 46 , 47 , 48 , 49 , 50 , 51 , 52 , 53 , 54 , 55 , 56 , 57 , 58 , 59 , 60 , 61 , 62 , 63 , 64 , 65, 66, 67, 68 , 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87