2ª quinzena de abril - Coluna 87
(Próxima coluna: 3/5)
CONSENTIMENTO E CULPA
Ele pedia, implorava até. Ela dizendo que não. Um inferno, aquilo tudo. O jogo da sedução.
Três meses de súplica. Ela, irredutível, subia a saia, abria as pernas, mostrava o decote. Mas dizia não. Ainda não.
Ele enlouquecia. Procurava por outras, mas não tinha coragem. Na hora "H" pulava fora. Brochava. Pensava nela. Telefonava aflito, madrugada alta. Adormecia dentro do carro, em frente à sua casa. Exausto, suando frio, tremia ao lhe ver faceira e fresca, botão de rosa, pela manhã.
Ela se revirava na cama, resistia às mãos de fada – suas próprias – querendo se auto-explorar. Ria, sozinha, ao imaginar como ele estaria atormentado. Talvez até em pior estado que ela, que não conhecia ainda aqueles prazeres da carne, exceto dos livros que lia às escondidas.
Ingênua, apesar da idade, sonhava com uma noite de núpcias daquelas do cinema de décadas passadas: a virgem de branco, em sedas e rendas, provocante; o consorte de pijama listrado ou de bolinhas, trêmulo, atrapalhado entre beijos, alças caídas e botões apertados nas casas.
Mais três meses e ele ainda pedindo, implorando. Ela negando e suando em bicas, escorrendo em caldos até então desconhecidos, assustadores, perturbadores, estranhos e traidores. O banco do carro molhado, as calças dele em volume. Ela queria. Desejava com as mãos, com a boca, com as entranhas. Mas não se traía, não se entregava. Ele chorava, sofria, esperava.
Ele desistiu. Resolveu aguardar pelo casório, quando em melhores condições de vida para assumir o compromisso. Ela desistiu de esperar pelo casamento. Resolveu se entregar. Mas ele não pediu mais, parou de dormir à sua porta.
Ela em fogo, ele agora brasa. Ela agitada, ele sonolento. Ela aflita, ele tranqüilo.
Casamento marcado, ele taciturno. Ela ansiosa.
À porta da Igreja, a noiva nervosa. À porta do seminário, o noivo casto.
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