"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/4
(próxima coluna: 9/5)

Abril e Maio - Olhares

Abril abre-se em mim. Solar. Azul como mereço. Feito de manhãs frescas, fruta mesmo. Doce, manga, goiaba. Carambola. Abril chega como chegaram os portugueses no litoral da Bahia. Dando outros nomes, imaginando-me ilha, lugar pequeno quando sou grande, berço esplêndido. Deitado em leito de outono. Leite das mães índias que me ferem a boca, cada vez que as vejo sobre calçadas. Em abril deram-lhe um dia. Nele, meu outro abril, o da tristeza, o do remorso de ter vindo dos colonizadores, de ter parcela de culpa pelo abandono dos primeiros, dos reais donos deste chão. Em abril mataram, melhor, martirizaram o Tiradentes, aquele lá das Minas Gerais que pedia liberdade ainda que tardia, aquele que não conheceu a liberdade, mas entrou na história. Abril liberta-me em honra a ideais passados. Em quase todo abril a Sexta Feira Santa, depois a Páscoa, a volta triunfante do Filho. A força da fé, sucumbida pelo comércio, pelo consumo. Abril iguala-se a dezembro. Ambos fugiram de seus princípios nos tempos de hoje, é preciso resgatá-los, trazê-los de volta às origens, sob pena de não termo mais ressurreição. A sorte que temos é que abril refresca a vida, ameniza suores, equilibra respirações. Abril tira férias do calor. Às vezes chove. Chove bonito. Toda a água cobrindo a Serra do Mar, a cidade, umedecendo a secura da gente. Abril chama a atenção. Aprile, april , abertura em todas as línguas. Em todos os corações.

Maio cresce dentro do meu carinho. Mãe, aquela que tenho. Destino bom. Tantos outros desconhecem maio e mãe. Só conhecem meio, às vezes nem isso. Em maio as noites já começam a ser maiores, serenas, sereno, leveza da véspera de inverno. Maio dá-se inteiro às noivas. Aquelas que esperam príncipes. Dá-se também as outras: as que ficaram com os espinhos. Em maio a Lei Áurea, libertando no papel os escravos. Prendendo-os nas encostas dos morros. Em maio o dia do trabalho. Esta essência, esta falta para muitos. A dignidade usurpada. Maio azula-me também. Bonito até cansar. Maio lembra mar em outra visão. Praia deserta. Longe das gentes-verão. Um ou outro pescador, um ou outro solitário compõem a paisagem de maio à beira-mar. Maio tangencia a vida. Maio melhora a vida. Acende a lareira futura e nos põe no campo, junto com ovelhas, bois e cavalos. Maio me ameniza. Me remete ao mundo bucólico dos antigos poetas, aqueles da Arcádia, das pastoras sensuais, da Marília impossível. Maio me acorda, se por um lado me lembra que fui escravo por outro prende asas às minhas costas. Maio memoriza algumas tristezas, mas solta pandorgas em tardes frescas. Maio está quase no meio do ano, aquele momento em que me preparo para o inverno. Formiga, mesmo. Maio é melódico como a valsa nupcial, o nascimento do primeiro filho, a libertação da vida escrava. Mesmo que só no papel, mesmo que só em sonho, pois maio é um sonho todo.

Arquivo de colunas anteriores:

01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61

Voltar