JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Colunas de 7/9
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A empulhação do horário gratuito

Começou a exibição dos programas produzidos por partidos para serem transmitidos em rede por todas as emissoras de rádio e abertas de televisão do País. Esta é uma oportunidade, então, para desmascarar uma das falácias mais calhordas de nossa democracia de massas: a justificativa que vem sendo dada por nossa elite dirigente para o tal do horário eleitoral gratuito para as candidaturas de políticos às vésperas da eleição nos horários nobres dos meios de radiodifusão. Alega-se que a cessão gratuita de parte importante da programação, que seria destinada à informação ou ao lazer do radiouvinte e do telespectador, se explica por ser o único meio de impedir que o abuso econômico desequilibre a igualdade de oportunidades que pobres e ricos devem ter na candidatura a um mandato popular. A empulhação principia nessa "isonomia", pois o horário é distribuído de acordo com o tamanho da bancada da legenda que o utiliza. Ou seja: no caso, como em tudo em sociedades de instituições ainda incipientes, como o é a nossa, o que prevalece mesmo é a lei do mais forte. E o que é pior: reforça a velha norma paralisante da inércia. A distribuição do tempo de acordo com a representação parlamentar alcançada na eleição anterior, mas alterada pela vontade dos parlamentares, e nunca por decisão dos eleitores, proibidos até de tentar mudar de idéia, contraria ainda os princípios elementares da rotatividade no poder e renega o direito à voz que todas as minorias devem ter em quaisquer regimes democráticos que se prezem. O que estamos assistindo, na prática, é um exercício de poder no qual eles podem e, por isso, a nós não é permitido sequer mudar de canal, pois ocupam todos. O horário gratuito não apenas não evita o abuso do poder econômico como ainda incentiva o abuso de poder político.


Debaixo do tapete
A CPI da máfia das sanguessugas acusou 69 deputados federais e 3 senadores de receberem propinas pagas pela empresa da família Vedoin no esquema fraudulento de dotação de verbas orçamentárias para a compra superfaturada de ambulâncias. Somados esses parlamentares com os que foram inocentados pelos companheiros, de forma corporativista, das acusações de terem recebido o "mensalão" ou que renunciaram para evitar a perda dos direitos políticos, o total chega a 171. A grande maioria desses suspeitos, para dizer o mínimo, se candidatou à futura legislatura. Nenhum de nós espera que algum deles nos conte qual foi sua participação nesses esquemas de corrupção generalizada. Portanto, está demonstrado que o horário eleitoral gratuito nada informará.


Papo de juiz
No início da campanha no rádio e na televisão, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio Mello, gravou uma mensagem ao eleitor, garantindo: "Você será o patrão, o chefe. Você selecionará, entre tantos candidatos, aqueles que considerar os mais dignos, os mais bem preparados para conduzir a Nação nos próximos anos. Lembre-se, caro eleitor: nenhum deles será nomeado, mas, sim, eleito, escolhido diretamente pelo voto de cada um dos quase 126 milhões de eleitores do País". O aviso é correto e chama o cidadão à responsabilidade, de que às vezes esta tenta escapar refugiando-se na queixa da má qualificação dos eleitos. Mas o buraco é mais embaixo: o eleitor só elege quem é previamente escolhido pelos chefões partidários.


Da balança para a bacia
O problema é que, ao cobrar a responsabilidade do eleitor, a justiça eleitoral, de certa forma, se isenta, e a outras instituições, do próprio dever de punir os políticos desonestos que se candidatam a cargos de representação popular. O Congresso chama a si a punição aos maus congressistas, mas normalmente nele impera o corporativismo e estes saem com seus mandatos imunes às punições (ou, no mínimo, com a chance de se reeleger). A polícia e a justiça se dizem de mãos atadas e assim nada fazem de concreto para investigar as irregularidades cometidas por parlamentares e a justiça eleitoral, apoiada na inexistência de uma lei (feita pelos políticos, diga-se) que evite a candidatura de algum malfeitor, tira as mãos da balança e as põe na bacia.


O nível da campanha
A verdade verdadeira sobre o tal do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão para a propaganda política é que sua justificativa é informar o máximo ao eleitor para que este faça a melhor escolha. Mas, de fato, o primado do espírito dessa lei não é a informação, mas o marketing político. E, como estamos carecas de saber, marketing revela o que o candidato quer mostrar e oculta o que o eleitor precisa saber. Os jornais estão cheios de palpites de marqueteiros clamando pelo alto nível dos debates. Tudo papo furado: na verdade, todos os candidatos e partidos estão mesmo é com medo do teor de combustão de seus rabos de palha. O resto é lorota para boi dormir e manter o eleitor enganado.


HERÓI BRASILEIRO

O eleitor comum
Forçado a votar, condenado a perder seus programas favoritos de lazer ou informação no rádio e na televisão para ser logrado pelos políticos e pelas instituições que tentam lhe transferir o ônus de uma responsabilidade de bancar o xerife e o carrasco, distinguindo o ladrão do honesto para premiar este com o voto e condenar o outro ao ostracismo, e não à cadeia pela malversação dos recursos públicos, o eleitor comum é o verdadeiro herói da eleição. Sem ele, a democracia não passaria de uma farsa.

O primado da versão
Há uma semana, participei de uma mesa-redonda patrocinada pela Academia Brasileira de Letras sobre o tema "Cultura midiática: persuasão e poder?". O crítico e acadêmico Domício Proença Filho discorreu sobre "o poder da palavra". Defendi, no debate, que a tal Sociedade da Informação já era. O excesso de informação levou ao caos total e hoje vivemos sob a vigência da Sociedade da Desinformação. A prática terminou por confirmar a piada. Consta que duas raposas do PSD mineiro teriam brigado pela autoria da frase segundo a qual "o que vale é a versão, não o fato", criada por Gustavo Capanema, mas atribuída a José Maria Alkmin. Este encerrou a briga reafirmando: "Não importa o fato, mas a versão".

Democracia sem primor
A colunista de O Globo Teresa Cruvinel se mostrou entusiasta da hipótese de a democracia brasileira estar se aprimorando com a divulgação dos escândalos de corrupção e outras manifestações da liberdade de imprensa. Discordei dela: se os escândalos de corrupção nas altas cúpulas da administração federal e do partido do governo aprimorassem alguma coisa, o chefe do governo e candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, não estaria surfando na crista da popularidade. O contraste entre as notícias dos escândalos e os resultados das pesquisas deixa claro o descompasso entre a cidadania e a comunicação. Talvez fosse o caso de trocar o nome da mesa para "Cultura Midiática: inutilidade e impotência".

O valor do dicionário
Dois debatedores, o colunista da Folha de S. Paulo e blogueiro Josias de Souza e o colunista de O Globo Merval Pereira, discordaram sobre um tal jornalismo interativo, que o primeiro considera uma tolice e o outro, não, pois aposta no fim da influência dos comentaristas sobre as decisões do público. A polêmica lembrou uma discussão na redação do Combat , jornal da resistência ao domínio nazista sobre a França, quando passou a circular nas bancas, após a desocupação de Paris. Alguém sugeriu uma coluna de cartas de leitores. E Pascal Pia, chefe dos editorialistas, entre estes Albert Camus, decretou: "Neste jornal, vale o que diz o dicionário. Ou seja: os escritores escrevem e os leitores lêem".

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