COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Delegada na área Literária (Secretaria Municipal da Cultura).

2ª quinzena de junho - Coluna 91
(Próxima coluna: 3/7)


Espólio

Eu aciono uma tecla e um enlatado de romance barato americano se descortina ante meus olhos hipnotizados pela tragédia alheia fictícia que, mesmo que fosse real, eu não haveria de querer nada parecido em minha fútil e inútil vidinha medíocre de aposentada classe média, com sonhos dourados de ser escritora.
Você chega e me cobra coisas que ambos sabemos (você apenas no fundo, bem no fundo profundo do seu ser tão raso), e eu na superfície, pois, na verdade, nada do que discutimos importa.
Sinto-me a Velha Adormecida que após anos de hipnose sexual (malditos hormônios femininos descontrolados na menopausa) acorda e quase desfalece ao ver quem você é de fato; quem eu sou, deveras, apesar de um dia ter me julgado (auto-julgamento solícito e piegas, condescendente e convalescente de desamor) melhor do que na realidade o sou. Não, não sou melhor, nem pior que você, mas sinto-me responsável pelo monstro que criei, e você, falso inocente, criança mal crescida, desnutrida de sentimentos precisos e recheado de sensores inexatos, deixou-se levar nas águas de meu amor perdido e foi entrando, abusando, colocando balsas e bóias, demarcando esse Mar Morto de águas escuras onde me afundei.
De repente até mesmo um simples colchão vira alvo de disputas. Onde antes curávamos nossas diferenças, jogamos, agora, todas as nossas culpas. Não, eu não quero esse colchão que agora é só seu, minha é apenas essa cama, esse estrado velho, onde antes morei com outro. Aliás, tudo, tudo o que era nosso de repente é só seu; de meu apenas os anos perdidos, as mentiras em que acreditei, sua história falsa que comprei e paguei à vista ou em suaves prestações, que agora se tornam pesadas mágoas, nódoas, manchas de unilateralidade, em deságio pelo uso, pelo abuso de minha alma desgastada e fraca, carente mulher solitária. Choro, sim, por ter sido ingênua. E de novo vem a Velha Adormecida me acordando e me beliscando: esse quadro triste, esse sim, a realidade. A degradação, a transformação do agente que unia em elemento de desunião. E agora? Com quem ficam os velhos retratos, os poemas de amor, as cartas pedindo perdão? Ninguém quer as mágoas, ninguém quer o amor desmanchado, as lágrimas de tristeza pelo sonho transtornado, os ciúmes tornados desprezo; a indiferença onde antes se aninhava o zelo.
Por isso tudo e mais um pouco – aliás, um tantão assim – eu prefiro a tecla sap, a língua sapo, a tragédia importada, de solução barata e simples, onde, se o mocinho não consegue um happy end com a mocinha, morrem os dois juntos, qual o velho e batido modelo clássico Shakespeariano . Simplesmente porque a realidade está mais pra Hamlet ou Otelo, nada parecido com "sonhos de uma noite de verão".


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