JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
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Enfim, o Anti-Lula
Voz calma não impede Geraldo de se tornar porta-voz da exacerbação
Até domingo ninguém – a não ser ele mesmo e mais algum parente desavisado de Pindamonhangaba – acreditava na possibilidade de o anestesista paulista Geraldo Alckmin subir, de faixa no peito, a rampa do Palácio do Planalto. A começar pelos amigos e aliados. Quer um exemplo? Fernando Henrique deu logo dois. De saída, comentou que o ex-governador de São Paulo podia até ser melhor candidato, mas, sem dúvida, José Serra daria melhor presidente. A frase era ruim para seu ex-ministro da Saúde, mas bem pior para um candidato pouco conhecido fora dos limites do Estado que governou. Pior a ponto de poder ter sido fatal. Depois, em entrevista à Playboy, o ex-presidente reincidiu explicitamente ao considerar o então candidato (agora governador eleito) do PSDB ao Palácio dos Bandeirantes o brasileiro mais preparado para assumir a Presidência. Sendo Alckmin, apesar do sobrenome arrevesado, brasileiro nato do Vale do Paraíba, deduz-se que...
Ora, direis, ouvir estrelas! É mais fácil Fernando Henrique pagar um cafezinho a um inimigo que perder uma piada para preservar um amigo. Mas a crônica da campanha presidencial está cheia de notícias que dão conta de tentativas de “cristianização” do principal oponente à reeleição do presidente. Seus marqueteiros tentaram valorizar seu ponto mais falho – o desconhecimento – com o refrão “muito prazer”. Comentava-se, à boca pequena, nos arraiais tucanos a existência clandestina, mas numerosa, de comitês Serrula, reunindo os dois favoritos tidos como imbatíveis aos governos paulista e federal. Aécio Neves, eleitíssimo em Minas Gerais, berço de prudentes e presidentes, chegou a apregoar que ele mesmo era Alckmin (que ainda não havia assumido publicamente sua metade Geraldo), mas Minas, bem, Minas era Itamar. Itamar, diga-se, nem sequer candidato seria. E ainda apoiou as pretensões do ex-vice de Covas – o que dificilmente pode ser aceito como um bom presságio para estas.
Mesmo o candidato não parecia levar muito a sério as próprias possibilidades. Pode uma pessoa, que se lança ao cargo máximo num país das dimensões deste, com a responsabilidade de recuperar a pompa e circunstância perdidas nas batalhas entre o atual ocupante e postulante ao bis contra a lógica, a gramática e o pundonor, aceitar ser comparado com um chuchu? Pois ele chegou a se equiparar a essea legume insípido num cardápio empanzinado de carisma populista do adversário. E ainda degustou um picolé da mesma no programa do ex-Pequeno Príncipe Ronnie Von na televisão!
Vai ver, poderá até ter sido esta a senha para o sucesso do ex-Alckmin, hoje Geraldo, na arrancada final rumo ao inesperado segundo turno. O contraste entre sua condição de porta-voz da exasperação nacional e o tom sempre calmo e monótono de sua fala pode ter levado os adversários a desprezarem suas possibilidades, assim como seu estilo já tinha sido alvo preferencial do veneno destilado no serpentário tucano. O que se sabe, e disso ninguém duvida, é que parte do segredo dos surpreendentes 40 milhões de sufrágios que obteve na refrega pode ser creditada à soberba do inimigo. O tucano foi tão desprezado pelo PT e pelo presidente que se chegou a divulgar que este não havia comparecido ao debate da Globo não por temer escorregar em alguma casca de banana atirada pelo oponente mais próximo no ranking da preferência do voto, mas, sim, por recear insulto a ser disparado pela metralhadora giratória da ex-companheira pra toda obra Heloísa Helena. Mais importante que confirmar se, de fato, Lula deixou a simbólica cadeira vazia no debate por saber quão afiada é a língua da candidata do PSOL é registrar que não passou pela cabeça de ninguém que ele tenha cometido tal deslize final por receio das diatribes de um adversário que se comporta no palanque como se estivesse anestesiando um paciente no centro cirúrgico: em tom de oração.
A insuficiência dos 50 milhões de votos para garantir a Lula a manutenção da cadeira deve ser atribuída a essa ausência, mas também, e principalmente, à divulgação das fotos do dinheiro que seria empregado para financiar o dossiê falso dos petistas contra os tucanos. Marco Aurélio Garcia, que conseguiu ser mais desastrado em alguns dias na chefia da campanha do que o fora em três anos de salamaleques a Fidel, Chávez e Evo, atribuiu aos meios de comunicação a culpa pelo desastre. Se o camarada que assumir o lugar de Fidel Castro, caso ele resolva um dia faltar a Cuba, pensar como ele, não hesitará em mandar para o paredão o esculápio que o atender no leito de morte. As pessoas que têm por hábito pensar sabem que o falso dossiê era uma rajada, e não apenas um tiro, no pé, com que todos contavam após o mensalão, o Land Rover, os dólares na cueca e todos os atentados suicidas que a “companheirada” cometeu nestes três anos de fortuna e desatino. E o povo que vota pode ser capaz de raciocinar com mais lógica do que pode sonhar o professor Garcia.
E foi assim que Geraldo, o ex-Alckmin, manteve a disputa em aberto por mais 28 dias e só Deus sabe que outros tresloucados atentados contra a moral, os bons costumes, a lógica e a própria sobrevivência política ainda estão por ser cometidos por ex-companheiros de quarto do comissário Dirceu e freqüentadores da República de Ribeirão Preto. Até lá, dificilmente Geraldo, o ex-Alckmin, elevará a voz ou algum figurão tucano usará um argumento decisivo para contrapô-lo ao carisma do operário braçal que andou de carruagem com a rainha da Inglaterra. Mas seu desempenho no primeiro turno já o credencia, até para aliados, a ser o anti-Lula por todos esperado. Pode não ser suficiente para levá-lo a subir a rampa, mas basta para que ninguém, nem mesmo ele ou seus marqueteiros, o reduza à função de chuchu no banquete.
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