Coluna de 9/6
(próxima coluna: 9/7)
Guillhermo Arriaga: Verdade ou polêmica
Guilhermo Arriaga é hoje um dos principais artistas mexicanos. Seu nome ficou mundialmente conhecido depois de roteirizar e produzir a da trilogia da morte, dirigida também pelo mexicano Alejandro Iñarritu, composta pelos fimes “Amores brutos”, “ 21 Gramas ” e Balbel. Também roteirizou o filme “Três Enterros” de Tommy Lee Jones. Vem ao Brasil lançar o livro “Um doce aroma de morte”.
Reflito aqui sobre alguns trechos que são parte de uma entrevista concedida a Sylvia Colombo e publicada no jornal “Folha de São Paulo” no dia 05 de maio de 2007.
Primeiro, uma observação de Arriaga sobre a sua relação com o cinema:
“Um filme não pode pertencer apenas a um diretor. Minhas histórias tem uma identidade. Quem lê meus romances ou assite “Babel” e “Três enterros” sabe que está diante de um mesmo criador. Não é uma questão só entre mim e Iñarritu, é um tema que o cinema tem a obrigação de debater ”.
Por esta fala, podemos perceber que Arriaga se posiciona na tentativa de retirar das sombras o roteirista, normalmente esquecido diante do prestígio que a mídia dá ao diretor. Revela em sua fala a necessidade de afirmar a literatura como arte individual “Quem lê meus romances ou assite “Babel” e “Três enterros” sabe que está diante de um mesmo criador” A fala denota que Arriaga não aceita a inferioridade da literatura frente ao cinema. Inferioridade no sentido de que o cinema é uma arte coletiva, porém orquestrada por um indivíduo que normalmente recebe todos os aplausos, ou vaias dependendo do caso. É uma operação de guerra, em que a literatura, no caso representada pelo roteirista, se torna apenas mais um soldado. Arriaga não quer ser soldado, não quer fazer parte do conjunto. Ao afirmar “minhas histórias tem identidade” diz que precisa também ser visto e reconhecido como artista único e intransferível, e não como parte de uma equipe.
Ao ser questionado sobre a idéia da valorização de um diretor em detrimento aos demais profissionais envolvidos na feitura de um filme, Arriaga afirma:
“O cinema é uma arte muito jovem, não podemos tomar essas regras como leis pré-estabelecidas e pronto. É preciso valorizar o trabalho de quem tem a idéia, de quem desenvolve o texto e os diálogos ”
Com este argumento Arriaga revela que tempo é verdade. O cinema pode ser a arte mais popular, mais rica que existe, mas não tem milênios de história, e isso lhe retira a moral. Tem-se a impressão que ao tentar defender o escritor, Arriaga assume sua inferioridade, não apenas diante do processo cinematográfico, mas diante da mídia. O escritor sempre desvalorizado, esquecido, jogado aos cantos, é preciso dar a ele alguns holofotes também. O discurso de Arriaga demonstra uma vaidade artística ferida pela força devastadora do cinema, mais do que a defesa de um interesse de classe.
Como toda a produção escrita e cinematográfica de Arriaga gira em torno da violência, eis suas falas sobre o assunto:
“A questão não é se o cinema estimula a violência, mas o quanto pode ajudar a refletir sobre ela. Um morto é um morto, carrega um peso, que é o da nossa própria violência pessoal. Somos agentes da destruição, mesmo se não a provocamos diretamente.”
“Nos EUA, a violência surge como diversão, como recurso na trama da aventura. Não é assim no México ou no Brasil. Aqui a violência não é simpática, não é algo engraçado. Quem vive a violência não vê graça nela. Nossos filmes, por mostrarem a violência como algo grave e presente, nos oferecem meios para refletir sobre ela”.
Na primeira parte da fala percebemos um discurso gerador de polêmica: Arriaga não acredita na inocência. Todo ato de violência praticado pelo humano é de responsabilidade de todo o ser humano. É como se ele negasse a existência de Deus e de Satanás, como elementos catalisadores do bem e do mal. Tudo se concentra no humano, sujeito violento por natureza. Arriaga defende o uso da arte como instrumento para refletir sobre a natureza destruidora do homem.
Ao fazer um contraponto entre a violência do cinema americano e do cinema latino americano, percebe-se aí a tentativa de relativisar a violência como se ela fosse algo que, ao ser usada como diversão, não possuísse força suficiente para mover uma reflexão. Somente consegue isso se for usada nos moldes latino americano, ou seja, aproximando-se o mais possível da realidade. Ao separar os tipos de violência, o discurso de Arriaga reforça ainda mais a violência cinematográfica norte americana. Ao não lhe dar importância, ao retirar-lhe a força reflexiva, concede ao modelo norte americano de cinema uma liberdade ainda maior. É como se eles não tivessem compromisso com a realidade, então podem usar graficamente a violência como quiserem, pois ela não tem efeito nenhum. Já a violência vista nos filmes mexicanos, e por via de regra brasileiros, é reflexiva, se propõe ao debate, estabelece contatos com a realidade de maneira efetiva. Fica o questionamento: por um acaso a violência de “Amores Perros” ou “Cidade de Deus” não é tão cinematográfica e artificial quanto a dos block busters americanos? Não servem ao mesmo propósito que, em última instância, é o de divertir o espectador, seja pela cartase feita de realidade vista no cinema latino americano, ou pela cartase feita de sangue fake, vista no cinema dos Estados Unidos?
O discurso de Arriaga, a meu ver, não dá conta desta contradição. Ficando apenas na tentativa de estabelecer razões, justificativas para o uso da violência em seus textos.
Enfim, Guilhermo Arriaga é um artista que propõe um olhar angustiante sobre a humanidade. Em seu discurso inexiste redenção. Seus roteiros são atravessados pela violência e pela culpa de sermos humanos. Parte sempre do pressuposto de que “nenhum ser humano está isento da destruição”, ao aniquilar a esperança de redenção. Arriaga animaliza o homem, retira-o de seu mundo de idéias (a alienação não passa mesmo de um conceito abstrato) e o joga dentro dos domínios do instinto, da necessidade única de sobrevivência, do matar para manter-se vivo. Eis, para Guilhermo Arriaga, “o nosso lugar dentro do mundo”.
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