JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, que acaba de obter o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Colunas de 21/12
(Próxima coluna 28/12)
Leão safado
Olha a tunga da Receita aí, gente boa!
Na semana passada, a Receita Federal informou ter retido para averiguação as declarações de renda de praticamente 750 mil contribuintes brasileiros. A operação, nada original, mas rotineira, tem sido chamada, ano após ano, de "malha fina" e atende, em teoria, à necessidade politicamente correta, perfeitamente justificável, de flagrar sonegadores para depois lhes cobrar o que de fato devem, mas não declaram. Para justificar a retenção e o adiamento da devolução, os burocratas do Fisco federal sempre recorreram a um respeitável arsenal de argumentos técnicos visando a convencer o cidadão de que a burocracia fiscal tem combatido o contribuinte relapso para valorizar o honesto. Isso é ainda animador do ponto de vista da honestidade do brasileiro comum: afinal, no ano passado eles descobriram "inconsistências" em 900 mil declarações. Neste ano, o total caiu em 16%. Que maravilha! Isso chega a ser deveras comovente. As principais causas alegadas para a retenção são a falta de coincidência entre as declarações feitas entre as pessoas físicas que declaram seus impostos e débitos que alguns desses contribuintes têm com a viúva. Lido assim, tudo isso parece muito real e justo. Para os casos de informação errada, a correção é simples: basta entrar na página da Receita, identificar-se, informar o número do recibo da entrega da declaração e corrigir o engano cometido. Grande parte dos casos, porém, e a isso não há referência alguma nas explicações dadas publicamente pelos súditos do Leão, não pode ser resolvida com tanta simplicidade assim. A maioria dos contribuintes retidos na "malha fina" não consegue saber exatamente que tipo de "inconsistência" foi encontrada em sua declaração. E quando tenta se informar, recebe informações genéricas, que em nada o ajudam a entender o que houve.
Batendo a carteira de milhões!
A justificativa mais freqüente dada a quem insistir muito em saber onde está seu erro na declaração glosada que empurra a devolução para as calendas gregas é a seguinte: "no processamento de sua declaração foi verificada uma possível divergência em relação aos valores das despesas utilizadas como dedução da base de cálculo" do imposto devido. Também costuma chegar a instrução de que o declarante deve esperar em casa a notificação do erro. Não se diz que deve fazê-lo deitado, mas o fato é que nem sempre esta chega. Como a lei permite ao Fisco devolver em até cinco anos, corrigido, o imposto indevidamente retido na fonte, a Receita pode estar somente evitando devolver ao contribuinte o que lhe deve e batendo a carteira de 750 mil brasileiros.
Calote nos estudantes
O calote que o governo federal aplicou na Olimpíada Internacional Júnior de Ciência é um exemplo cabal da falência múltipla da gerência no Estado brasileiro e das conseqüências que esta acarreta para a sociedade, desestimulando quaisquer boas iniciativas dela que dependam de apoio estatal. O coordenador da Olimpíada, de que participaram 180 estudantes de 31 países disputando 20 medalhas de ouro, 40 de prata e 60 de bronze, Ozimar Pereira, explicou que se viu forçado a cancelar a entrega desses atestados de competência para os vencedores nas provas de química, física e biologia por faltarem recursos para pagá-las. E o dinheiro não apareceu porque a Presidência da República não honrou a promessa de destinar ao evento uma verba de R$ 250 mil.
Essa nem Freud explicava...
Já seria um absurdo uma verba tão modesta, comparada com os milhões gastos em cartões de crédito para financiar banquetes a cabeleireiros da elite palaciana, não ter sido destinada a uma competição tão meritória. Mas o episódio se tornou mais esdrúxulo quando se tornaram públicas as negociações para a concessão da ajuda. Pois o paraninfo procurado pelo coordenador da Olimpíada para conseguir a benesse foi o agente de segurança do presidente Lula Freud Godoy, protagonista do escândalo do dossiê antitucano falsificado por alguns petistas. Mais surpreendente ainda foi o organizador procurar no guarda-costas suspeito apoio para quebrar o monobloco da desvalorização do conhecimento e do desprezo pelo mérito de um governo que exalta a ignorância.
Que esquerda, que nada!
Aos 61 anos de vida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu à própria idade, em improviso numa festa da revista semanal IstoÉ, em São Paulo, seu progressivo afastamento da esquerda na marcha que diz fazer rumo ao centro, tentando justificar o fato de já ter criticado muito o ex-czar da economia da ditadura Delfim Netto, que hoje é seu amigo e conselheiro próximo. Na verdade, nosso "guia supremo" nunca foi esquerdista. Católico por convicção, pragmático por temperamento, Sua Excelência entrou no sindicalismo para combater pelegos e comunistas e, como político, nunca abandonou esse combate, conforme o testemunho insuspeito de seu ex-aliado e sempre comunista Roberto Freire (PPS-PE).
HERÓIS BRASILEIROS
Ozimar Pereira
A Velhinha de Taubaté, criada por Luís Fernando Veríssimo para simbolizar o brasileiro que acredita no que dizem os homens públicos, já foi dada como morta. Mas ressuscitou na pele de um brasileiro real: o coordenador da Olimpíada Internacional Júnior da Ciência, Ozimar Pereira, que aceitou a palavra do guarda-costas de Lula Freud Godói e terminou não recebendo o dinheiro prometido para pagar as medalhas que distribuiria aos vencedores do certame. Enfim, um herói otário na Pátria da malandragem!
Gol contra do Legislativo
Esta semana começou com a notícia de que o relatório final da CPI dos Sanguessugas, da lavra do senador Amir Lando (PMDB-RO), não denunciou nenhum dos parlamentares acusados de participar do grupo de legisladores que se beneficiaram do superfaturamento de ambulâncias compradas por prefeituras para aumentar seus saldos bancários. Isso mostra que não convém esperar de CPIs mais do que elas podem dar. Pois, ao contrário da convicção geral da sociedade, ansiosa por punição de nossos políticos, sempre impunes, a instituição não tem poder de policia nem substitui a justiça. E a regra não é punir para limpar o nome da instituição e da própria democracia, mas absolver o colega suspeito de delinqüir.
Gol contra do Executivo
Logo depois, os jornais noticiaram que a Receita Federal estava exigindo explicações de 89 dos 90 acusados de pertencer à máfia dos sanguessugas sobre divergências encontradas em suas declarações de Imposto de Renda entre o que declararam ao Fisco e a movimentação financeira que andaram fazendo em suas contas particulares. Os técnicos do Fisco estão fazendo seu serviço de rotina. Mas a Polícia Federal, que faz a fama de dura prendendo e algemando políticos sem importância de Estados distantes do Norte do País, tem dado óbvias demonstrações de que órgãos da administração direta federal não são imparciais o bastante para investigar suspeitos de malfeitorias mais próximos da cúpula do Executivo.
O desempate da pizza
A disputa pela pizza mais suculenta podia ser empatada, mas a Mesa da Câmara dos Deputados decidiu impedir desde já a abertura na próxima legislatura de processos contra colegas por quebra de decoro parlamentar, a não ser que apareça um "fato novo". A busca da garantia da impunidade não é original. O argumento de não permitir a punição de um delinqüente por ter ele delinqüido em mandato anterior também não. Mas a garantia prévia da impunidade, prevista nesse acordo de "cavalheiros", sob a presidência de Aldo Rebelo (PCdoB-SP), leva o cinismo da aplicação da metodologia mafiosa na elaboração das leis que devem reprimir delitos ao extremo nunca alcançado antes da indulgência plena preventiva.
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