COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ

Nº 164 - 6/2/2015
(próxima: 26/2/2015)


          

Medo

     O medo é alguma coisa que percorre os meandros do nosso inconsciente. Não é objetivo, mas é profundo e seus efeitos são imprevisíveis. Consegui ultrapassá-lo depois de muito tempo sofrendo seu mágico poder negativo.
     Eu tinha cinco anos quando saí da companhia de meu irmão mais velho para dormir em meu próprio quarto que meus pais haviam decorado com muito  capricho. A primeira vez que lá entrei fiquei imobilizada não só por sua beleza como porque pensei em ser dona de “tudo aquilo”. Havia até lugar para receber minhas amiguinhas e quedei-me olhando-o à minha volta como se estivesse incrédula.
     Tudo estava sendo maravilhoso durante o dia e quando à noite me levaram para dormir meu coração bateu descompassado. Perguntava-me se iria ficar sozinha mal acreditando numa resposta positiva E quando me deitei e meus pais apagaram a luz, me beijaram e se foram senti um pavor estranho. A escuridão era tão grande que nem o pequeno e delicado abajur conseguia clarear. 
     Minha casa era de dois andares, portanto na parte superior onde eu me encontrava só meus irmãos dormiam nos quartos ao lado. Eu não sentia nenhum movimento diferente senão a voz de meus pais no andar inferior e muito longe. Levantei-me indecisa, mas pensei que não poderia descer senão além de brigarem comigo provavelmente eu ficaria sem meu delicioso “quartinho encantado”. Lembro-me que transpirava sem parar e abri a boca para gritar muitas vezes. Foram dias difíceis e só sossegava quando sentia que eles subiam já bem tarde. Fingia sempre que dormia quando entravam no meu quarto para ver-me.
     Foram dias intensos e que eu mesma não compreendi jamais como consegui suportar. Detestava aquela escuridão e via sombras indistintas que me faziam levantar pulando e com o grito atravessado na garganta. As sombras se sobrepunham e eu sentia tanto pavor que nem soltar um grito conseguia.
     Foi um longo período escuro, medroso e solitário em que os fantasmas e as maldades que muitas histórias infantis sugestionavam apareciam como uma figura escura e indefinida.      Meses de medo e insegurança. Muitos anos depois me lembraria daquele acontecimento como se fosse real.
     O estranho é que no dia seguinte quando perguntavam se dormira bem eu não dizia a verdade. A vontade de parecer corajosa era tanta que mentia respondendo que dormira logo.
     Claro, isso ficou no meu subconsciente, porém o medo havia muito não me assustava mais. Como se tivesse sido um exercício extenuante que chegara a um fim totalmente positivo.      O mais fascinante é que atualmente adoro a escuridão e me deleito com a noite. É a melhor e mais insinuante parte do dia e com a qual convivo em harmonia e de uma maneira sedutora. É justamente nessas ocasiões que mais produzo, penso e tiro ponderadas conclusões. Nela me encontro com forças para prosseguir qualquer coisa que queira fazer ou me dê prazer.
     Na verdade penso que durante essas horas eu vivo mais intensamente e sinto uma alegria ao pensar naqueles anos da minha infância e saber que mesmo em extremo pavor acabei vencendo o espectro do medo. Mesmo sem saber explicar como e o que me deu forças. E que comecei a sentir uma atração desmedida pela noite que outrora me apavorou.
     O medo da noite e do escuro se foi quando eu ainda era uma criança, mas por vezes revejo em minha memória com extrema clareza aquele quarto, que a par disso me proporcionou muitas horas prazerosas. Recordo quase com estranha satisfação a batalha interior e tão solitária que se travou nele e rememoro dias em que me julgava quem sabe uma pequena heroína nas trevas densas e  profundas. Isso talvez tenha me ensinado o valor de  ultrapassar algo que estava me dominando de uma maneira intransponível e que se eu não conseguisse vencer  teria sido um tormento em minha vida.

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