Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 78
(Próxima: 05/10/2009)


O purificador Apolo

Escavações no local do Oráculo de Delfos mostraram que, à época micênica, séculos XIV-XI, o lugar era um vilarejo pobre, e seus habitantes veneravam uma deusa que lá possuía um Oráculo da deusa Geia, considerada a mãe-Terra. O guardião do Oráculo era, a princípio, um dragão fêmea com o nome de Delfine. A partir do século VIII a.C., o vigilante foi designado como Píton, uma gigantesca serpente. Seja qual for, o guardião simbolizava a soberania primordial das potências telúricas que protegia o Oráculo de Geia. Esse guardião foi morto por Apolo, um deus patrilinear.

Desde o século VIII a.C., Apolo se tornou mestre do canto, da música, da poesia e das Musas, mas primeiramente foi considerado um deus purificador da alma, pois a liberava de seus atos desonrosos. Ele se tornou mestre das expiações relativas ao homicídio, porque ele mesmo se submeteu a uma catarse após matar Píton, permanecendo um ano no vale de Tempe. Para se livrar da impureza do ato, era preciso que a culpa fosse expiada com ritos catárticos, evitando assim contaminação do génos, pois qualquer falta cometida por um membro da família, contaminava a família inteira. As histórias das maldições hereditárias da Grécia Antiga foram temas de vários mitos e tragédias, como a trilogia de Ésquilo.

As cinzas do guardião morto por Apolo foram enterradas sob o umbigo (omphalós), o Centro de Delfos, considerado também o Centro do Mundo, pois, de acordo com o mito, Zeus soltou duas águias nas extremidades da terra e elas se encontraram sobre o omphálos. A pele de Píton passou a cobrir a trípode no qual se sentava a sacerdotisa de Apolo, denominada, por isso, Pítia ou Pitonisa. Para perpetuar a lembrança do triunfo sobre Píton, e para manter o dragão-serpente in bono animo, celebravam-se nas alturas do Monte Parnaso os Jogos Píticos de quatro em quatro anos.

No templo, a Pítia inalava os vapores que saíam de uma fenda na terra e, em êxtase, anunciava o as previsões sob a influência do deus. Essa mântica por “inspiração” tomou o lugar da mântica por “incubação” vigente no Oráculo de Geia. Além disso, a presença do deus patrilinear no Parnaso foi confirmada pela substituição de estátuas femininas em terracota por estátuas masculinas em bronze.

Apolo contribuiu para erradicar a lei do talião, isto é, a vingança de sangue com as próprias mãos, pela justiça dos tribunais. Não haveria mais o olho por olho, dente por dente nem cadeia de crimes sangrentos, como na história de Orestes, filho de Agamemnon e Clitemnestra. Querendo vingar a morte do pai, Orestes matou própria mãe e foi perseguido pelas Erínias, divindades vingadoras dos que faziam correr sangue familiar. Orestes foi a Atenas para se julgado em um tribunal, fazendo cessar os crimes da família.

Com o fim da lei do talião, a cidade e seus cidadãos assumiriam a responsabilidade pela Justiça. Esse é um dos significativos mitos do advento do Direito naquela sociedade e mostra como o novo senhor do Oráculo trouxe novas ideias e influências sobre a vida religiosa, política e social, e também fez tudo para conciliar as tensões que existiam entre as cidades gregas com seu caráter pacificador e ético. As máximas do seu grandioso Templo pregavam a sabedoria, o equilíbrio e a moderação. “Conhece-te a ti mesmo” e “Nada em demasia” são lições apolíneas que atestam a influência ética e moderadora do deus.

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