COLUNA DE VÂNIA MOREIRA DINIZ
O amanhã da minha vida
Enquanto teclava, uma sensação de dor apoderou-se de mim. Uma dor conhecida, de perda e sofrimento. Tudo que havia acontecido há tanto tempo quando meu irmão morreu! E uma angústia esquisita, misto de desespero e aflição dominou meu coração.
Comecei a lembrar dos anos de minha infância, as brincadeiras infantis e a fé que tinha em tudo. Apreciei como se estivessem em outro lugar todos os episódios que transformaram e enriqueceram minha vida. E até a Rua Barata Ribeiro em Copacabana onde cresci.
Como se fosse um sonho eu me senti pequena e saltitante, os cabelos soltos nos ombros e lembrei-me das brincadeiras com meus irmãos, o colégio grande, porém aconchegante, os professores a esperar-me, ora com ar ora severo, ora doce e suave, mas sempre acolhedores. E na verdade pensei na história de Peter pan, que eu adorava e me senti novamente integrada com sua filosofia de jamais querer crescer e tornar-me uma pessoa adulta.
Via-me patinando, rodopiando num bailado, que meu pai admirava, o rosto corado e os olhos brilhantes como se a vida não fosse oferecer nada mais que momentos vibrantes. E meu coração batia ao compasso das evoluções que eu fazia cheia de deslumbramento.
Logo entendi, naquela época que não seria assim quando via nas ruas tantas crianças que precisavam de um agasalho ou de comida. Logo entendi, que jamais poderia ser feliz quando via outro ser humano sofrer. Logo entendi, que a minha caminhada seria uma sucessão alternada de alegrias e tristezas e para vivê-la bem, eu precisava administrá-la.
Quando meu irmãozinho de cinco anos morreu, entendi que ela podia ser muito, extremamente dura, e de certo modo cruel e avassaladora. A saudade no começo foi dolorosa e pensei que não pudesse ultrapassá-la. Mas temos estranhos modos de defesa espontânea, que nos parece um milagre quase indecifrável.
Eu tinha treze anos e recomecei a achar a vida maravilhosa depois de algum tempo, embora a falta que sentia do menino loiro e lindo, sempre tão apegado a mim, fosse intensa e amargurante. Muitas vezes as lágrimas desciam nos momentos menos esperados e aparentemente mais alegres.
Hoje, tantos anos depois, e após acontecimentos, alguns plenos de exuberância e outros verdadeiramente traumatizantes, encontro-me ainda abalada pela falta de minha mãe. Recordo-me dela tão jovem, os cabelos negros bastos e lisos, o rosto bonito de traços perfeitos, os olhos negros e profundos.
Ela jamais compreendeu meus ideais que não se coadunavam com o seu modo objetivo e profundamente racional. Sempre me admirou e por isso mesmo não entendia sonhos que ela não conseguia decifrar. Claro que meus muitos defeitos, talvez ainda não modificados adequadamente e as qualidades não aperfeiçoadas por reflexões, contribuíram para essa característica da relação entre nós duas. Mas sempre a amei intensamente, sabendo que tudo que ela desejava, era me proteger de um mundo que eu queria rápido e cedo abraçar com sofreguidão.
Nesse momento encontro-me meio perdida como se fosse aquela menina de quinze anos decidida, achando que tudo seria fácil num caminho sem interrupções nem tropeços.
Não me arrependi do caminho que segui, das decisões que tomei ou de tudo que realizei até agora. Gostaria, porém que tivéssemos pensado no mesmo ritmo, e que em nenhum momento eu tivesse visto alguma expressão de desagrado em seus olhos.
Jamais conseguimos olhar tão ternamente para qualquer recordação, como quando recordamos a nossa infância, com seus passos rumo a um futuro que desconhecemos, e as imagens se tornam, mesmo nos piores momentos, coloridas de esperanças e de certezas distantes a cada manhã que surge.
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