2ª quinzena de janeiro de 2008 - Coluna 103
(Próxima coluna: 18/2)
ASAS
Homem e passarinho, presos atrás das grades. Uma de arame prateado, a outra de ferro pintado – já descascando, pelo tempo desgastado – de verde escuro.
Um era alimento da alma do outro. No fundo, eram, juntos, um só: cárcere e solidão, prisão e asa. Ligados pelo destino, a calma de um era a tranqüilidade do outro; o sonho do outro era o anseio de um.
À sua volta o caos, a realidade sufocante. No horizonte o mundo, o desconhecido, a vida além daquela casa. A rotina era enfadonha, e, nos olhos de ambos, se podia perceber os sonhos distantes, a vontade lá longe.
Certo dia encontraram a liberdade, juntos: um, solto das grades prateadas, em júbilo – alimento de um gato –; o outro, liberto das grades descascadas, livre das fumaças do cigarro, do café enjoado, da comida engordurada, da roupa amarelada, da falta de assunto encoberta por pigarros, brilhando ao sol seus poucos cabelos brancos, sua vontade de sentir o vento.
Um ela enterrou no quintal, o outro foi velado sobre a mesa da cozinha. Todo mês uma rosa fresca na pequena cruz do jardim da frente. O outro é apenas lembrança, quando a brisa fresca anuncia chuva e ela reza pra que alguém lhe apare a grama.
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