Coluna de 9/5/2008
(próxima coluna: 9/6)
Unofamília – Breve história de amor
A mãe meditosentada na cadeira. Nua. O pai mongevestido, servindo saladas.
– Limão, querida?
– Não, em homenagem ao Alfredo que não gostava de limão.
Comem à cabeceira da mesa. O pai acaricia a testacadáver do filho.
– Por que a morte gela a carne querida? A batata não cozinhou o suficiente, desculpe querida.
– Por que será que o matamos? Não haveria outra solução. Ele está bonito, me passa o alface, parece tão tenro.
–Quem? Alfredo ou o alface?
–Os dois. E se os comêssemos?
–Somos vegetarianos, querida, não podemos comer carne. Princípios são princípios.
–O que vamos fazer, será que não vão perguntar por ele?
O pai passa a lavar os pratos.
– Creio que não querida, Alfredo não era um homem que despertasse perguntas, todos só lembravam dele quando o viam, não o vendo, não haverá perguntas.
– E os restos deste corpo, o que faremos? A carne logo desaparecerá, mas e os ossos, se pelo menos o Rex tivesse por aqui.
– Se Rex tivesse vivo, Alfredo estaria vivo, querida.
A mãomãe alisa a nudezmorte de Alfredo.
– Meu filho, matá-lo foi um bem, aquele seu ato, aquele ensopado. Era o Rex, Alfredo, o cão, a reencarnação de nosso mestre Chenrezig, comê-lo ensopado! E pior, exigir que comêssemos também, Alfredo!
A mãe sexosenta-se sobre o corpo do filho. O pai dedotoca-se. Olham-se amorosos.
– Isso, querida, convença-se, acredite, ele estava descontrolado. Apontou-nos uma arma. Não tivemos escolha.
E gozamvivem a noite toda. Ora a mãe, ora o pai voampesam sobre a pélvis gélida de Alfredo.
Amanhecem entre restos de cenouralface.
A mãe num sustogrito:
– O que você fez com Alfredo?
O pai olhacorda-se. Desespera-se. Alfredo não está.
– Como pode, querida. Ele estava aqui, amamos Alfredo a noite toda, quando cansamos, dormimos aqui. O que aconteceu?
A porta se abre. Alfredo vemfeliz da cozinha.
– Mãe, Pai, fiz o desjejum para vocês, em agradecimento por terem me trazido de volta. Foi o amor carnal de vocês que me fez retornar à vida.
Pai e mãe mantrajoelhados, em transe de adoração. Alfredo prepara a mesa. Pratos. Talheres.
– Sentem-se meus amores, preparem-se para o banquete. Vocês precisam de muita proteína para me amar todas as noites. Só assim continuarei vivo.
E Alfredo trouxe de entrada, peludopatinhas assadas. Após, pratoprincipal, um ensopado agridoce com a parte mais nobre da reencarnação de Chenrezig.
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