JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Colunas de 16/8
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Quem paga a conta vaia Lula
Governo dá pão a pobres e dinheiro a ricos e a classe média é que banca
Nos últimos dias, nós, os 160 milhões de brasileiros, temos recebido a graça de ser informados de umas tantas e quantas notícias – umas estranhas, outras animadoras, várias delas surpreendentes – dadas pela elite que nos dirige lá do distante e inacessível Planalto Central do País.
Informou-nos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o Criador, em sua suprema magnanimidade, o dotou de duas orelhas, por uma das quais escuta as vaias e por outra os aplausos de seus súditos. É preciso ter cuidado com as orelhas, como alertou o colega jornalista e escritor de talento Renato Pompeu, pois elas costumam ter ouvidos e nem todas são tão seletivas quanto Sua Excelência diz serem as dele. O certo é que, entre os aplausos dos correligionários encantados com seu desempenho e os apupos de seus detratores, não teve o chefe do governo republicano disponibilidade para escutar o clamor rouco das ruas quanto ao Caos Aéreo Nacional, sobre o qual ele próprio já havia escrito e publicado. O Boeing da Gol desabou sobre a Amazônia desmatada e ele não ouviu o estrondo. Os passageiros, em franca desobediência civil aos conselhos de sua ministra sexóloga, não relaxaram nem gozaram na longa espera dos vôos que não partiram. Aí o Airbus da TAM explodiu no prédio da companhia e, depois de uma semana de silêncio, o ruído da explosão ultrapassou as vidraças e os tapetes do poder e chegaram a seus ouvidos, pelo visto apenas uma semana após o fato, pois foi este o prazo para que ele, enfim, falasse sobre o que ouvira.
A reação presidencial às vaias do público do Maracanã na abertura do Pan foi mais rápida, mas não menas alienada. Entrou para a História como o primeiro presidente anfitrião daquela competição a não saudar os atletas visitantes e deixou de ser vaiado pessoalmente (ele o foi, in absentia, de qualquer forma) para ouvir o descontentamento de um público normalmente menos hostil, em Natal. Em seu estilo desabusado de sempre, o máximo prócer atribuiu o protesto à ingratidão dos ricos, cujos bolsos seu governo nunca se cansou de encher, conforme cândida confissão que ele próprio fez em mais uma escala da única aeronave que permite a seu usuário não tomar conhecimento dos maus bofes dos controladores de vôo nem dos jogos de mercado das companhias aéreas. Nunca antes na História um presidente foi tão sincero e tão preciso. De fato, as estatísticas confirmam sua afirmação: os podres de ricos o estão sendo cada vez mais graças à generosidade de uma política econômica que os favorece com toda a franqueza.
Lula erra, contudo, quando trata seus primeiros beneficiários como ingratos. É pouco provável que houvesse um único representante da fina flor da burguesia nacional nas arquibancadas do “maior do mundo” naquela noite em que se cunhou a maldosa sentença segundo a qual “quem tem boca vaia Lula”. Rico não vaia. Primeiro, porque de fato não pode ter queixas da generosidade federal. Depois, porque tem à mão meios melhores para conseguir o que almeja. Com a facilidade com que se corrompe e a dificuldade com que se pune um corrupto no Brasil contemporâneo, seria estúpido quem preferisse defender os próprios interesses no desconforto das arquibancadas de um estádio. Quem vaiou o presidente foi a classe média e teve os melhores motivos para isso. Afinal, a fórmula genial encontrada pelo chefe da Nação – dinheiro nos bolsos dos ricos e comida nos pratos dos miseráveis – tem um lado negativo, como tudo na vida: o sacrifício da classe média, convocada para pagar a conta. Empobrecida, submetida à violência das ruas e obrigada a pagar pelos serviços que o Estado não presta, esta se fez ouvir do jeito que pôde. E conseguiu o que queria. O presidente que não tomou conhecimento do mensalão, do falso dossiê dos “aloprados”, da longa espera dos passageiros de avião e da dolorosa tragédia dos parentes das vítimas do desastre da TAM, ao ouvir a vaia, foi, enfim, informado, pelo menos, de sua existência. No último fim de semana, este jornal registrou o reconhecimento por uma das poucas bocas que têm acesso aos ouvidos do chefe, a de Luiz Dulci, hierarca da elite petista reinante, de que a classe média está insatisfeita com os rumos do País. Pode a oposição, débil e desnorteada como sempre, imaginar que se trata de um truísmo vulgar. Não é. É um fato da maior relevância o PT no pudê reconhecer que a classe média existe e está longe, muito longe, do Paraíso.
Não que isso resulte em alguma coisa. Pois este governo, se sabe, é bom de falar, mas péssimo de ouvir e, mais ainda, de fazer. Se o tal do PAC até agora não acelerou coisa nenhuma, imagine o leitor amigo se algum programa que beneficie a classe média poderá um dia vir a ser implementado neste país do “nunca antes” e do “não é bem assim”. Basta ler as pesquisas de opinião que garantem que o prestígio presidencial não caiu um milímetro depois da transubstanciação do Caos Aéreo Nacional em tragédia coletiva para concluir que a classe média indignada é incapaz de romper os acolchoados de algodão que impedem as duas orelhas dadas pelo Criador ao presidente de ouvir sua ira exposta em apupos.
Os beneficiários do atual sistema usam aviões próprios – sejam eles banqueiros ou a zelite dirigente republicana – ou simplesmente nunca entraram num aeroporto nem para fazer um lanche, porque a Bolsa-Família não chega para tais luxos. Os passageiros de avião de carreira não têm número suficiente para se fazerem ouvir por Lula, nem se Deus lhe tivesse dado quatro – e não dois – ouvidos encapsulados em orelhas à prova de queixas, muxoxos e recriminações e sempre disponíveis para a lisonja e a aprovação. No aulicismo reinante, mais vale uma nota fria que um boi pastando e o chefe se protege do amuo dos infelizes fazendo a felicidade dos bajuladores ao lado.
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