Coluna de 9/9/2008
(próxima coluna: 26/9)
A espera
Vigília. Tempo longo de espera por uma notícia. Sim? Não? Passam as sérias pessoas de branco e nada dizem, nenhum conforto carregam. Os assuntos que resolvem são outros. Sempre dos outros. Sentada aqui desde que chegou. Cinco horas. Sala de cirurgia. Grave, muito grave. Chegou, obteve informações esparsas e pediram para aguardar. Nada mais podia ser feito. Tudo já estava feito. O acaso já tinha destinado o acidente ao filho. Esperar. Olha ao redor. Outros iguais, dores maiores, menores. Pudesse compartilhar, pudesse perguntar se eles sabem alguma coisa dos seus. Se eles foram escolhidos pelas pessoas de branco para saberem notícias mais claras, mais precisas. Parece que não. Choram também. Abraçados. E ela? A quem abraça? Em quem se conforta. Sozinha na cidade. Ela e o filho. Todo o passado deixado a três mil quilômetros de distância. Aqui, ainda sem vínculo. Sem chão. Sem aquela segurança que as amizades trazem.
Arrepende-se agora por ser tão arredia. Alguns tentaram uma aproximação. Um contato mais íntimo. Sempre disse não. Orgulho. Orgulho que nunca teve há três mil quilômetros de distância. Orgulho conseguido ao guardar pouco a pouco o salário de costureira, escondida do marido bêbado. Do pai violento. Da mãe submissa.
Catou o filho e veio. Chegou aqui, olhou a cara da cidade e decidiu ficar. Gostou das ruas. Dos contornos dos morros. Achou boa cidade de se esconder. Ao por os pés no chão da rodoviária, cortou todos os laços do passado. Todos. Nem que morressem ela e o filho, para aquele inferno em que vivia não voltava mais. Promessa feita. Promessa maldita. Estava sendo testada. Estava. O filho escapou-lhe das mãos e atravessou a rua. Ouviu baque. Viu o sangue. O menino agredido pelo carro e pelo asfalto. Não viu o desespero da motorista. Estática com as mãos presas no volante. A motorista parece que foi atropelada junto. Pobre. Não teve culpa.
Ela, sim, teve culpa. Tinha que segurar melhor o menino. Mas estava tão contente. Primeiro salário. Saíram para comprar, comer, consumir a vida que nunca tiveram. O filho queria ver o homem estátua do outro lado da rua. Olha mãe a estátua se mexeu. E foi. Agora aqui. Espera. Espera. E nada dizem. Uma senhora chega. Pergunta sobre o garoto. Estranha. Como ela sabe? A mulher chora, treme, disse que não pode fazer nada. A motorista. A motorista compartilhando sua dor. Tenta consolá-la. Não pode. Não tem consolo para dar, só tem agonia. Olha a mulher. Olha-se. São duas culpas jogadas numa sala de espera do hospital, num sábado qualquer de inverno. Sente-se um pouco mais segura. Agora alguém compartilha com ela, mais que a dor, a agonia da espera. Compartilha olhar aquele corredor. Agüentar até que algum dos sérios homens de branco venha dizer algo. Não. Sim. Começo. Fim.
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