Coluna 142
"Quando se é capaz de lutar por animais, também se é capaz de se lutar por crianças ou idosos.
“O maior pecado que cometemos para com outras criaturas não é odiá-las, mas ser indiferente a elas. Essa é a essência da falta de humanidade”
George Bernard Shaw
Queridos leitores,
Trago hoje dois textos maravilhosos para reflexão e repasse. Eu tive a oportunidade de ler e gostaria que vocês que respeitam os animais pudessem lê-los também e, quem sabe, depois deles mudar sua visão de mundo ou apenas sua visão em relação aos animais não humanos, o que para eles e para quem os ama e/ou respeita seria perfeito! Agimos como robôs, mortos vivos, mas podemos ser mais, sempre há tempo de mudar!
Seja livre de crueldade! Paz para todos os seres!
Abraços
CHEIOS DE BOAS INTENÇÕES
Rafael Bán Jacobsen
O que há de comum entre a modelo Isabeli Fontana, o ornitólogo Alexandre Aleixo e um macaco bonzinho? Para responder essa pergunta aparentemente sem nexo, é melhor conhecermos um pouco mais de cada um deles.
Isabeli Fontana é uma famosa modelo brasileira que, no dia 24 de outubro de 2008, teve a felicidade de comemorar os dois aninhos de seu caçula, o Lucas. Isabeli montou um pequeno zoológico na festa. "Fiz questão de colocar os bichinhos para as crianças terem esse contato com a natureza, que eu acho muito importante", explicou. A decisão fez sucesso entre os pequenos convidados do aniversário. O aniversariante adorou a surpresa e mostrou afinidade com os coelhos e seus filhotinhos. "Levar para casa, nem pensar", alertou a top. As fotos veiculadas pela imprensa mostram um pouco de como foi lúdico e bucólico esse pretenso "contato com a natureza": patos, coelhos , galinhas e outros bichos se espremiam em gaiolas minúsculas, muito provavelmente em um ambiente cheio de gritos de crianças entremeados às mais novas pérolas da música infantil. A imprensa não entrou em detalhes a respeito do cardápio, mas não é difícil adivinhar que cachorrinhos-quentes, coxinhas e doces atolados de ovos e laticínios marcaram presença.
Já Alexandre Aleixo é um ícone da ornitologia e da preservação ambiental no Brasil. Além disso, é exímio caçador de passarinhos. Em suas pesquisas na floresta, sempre leva uma espingarda calibre 16. Derruba das árvores tucanos, mutuns e arapaçus. À bala. Os animais abatidos são empalhados e levados para a coleção de ornitologia de um museu no Pará. Apesar de admitir que, no começo, não foi fácil matar os animais para estudá-los, hoje se sente tranqüilo com o ato, pois, como aprendeu com seus sábios professores, não há alternativa senão "coletá-los". Outro aspecto que lhe serve para apascentar a alma e dormir em paz de noite com seu travesseirinho é, em suas próprias palavras, o fato de não se considerar "um indivíduo de uma espécie especial e glorificada da natureza, como muitos entendem a humanidade". Essa lição de humildade o fez ver que o hábito humano de sacrificar animais não é isolado na natureza, pois os predadores fazem isso como atividade essencial para sua sobrevivência. De acordo com a lógica nada lógica de Aleixo, se o leão da savana africana está com fome e ataca o gnu, podemos fuzilar pássaros tranqüilamente. Uma coisa leva à outra, é claro.
E o macaquinho? Pois bem: num canto do Brasil, vivia um macaco que era conhecido por sua extrema bondade e por gostar de ajudar os outros animais. Um dia, o macaco aproximou-se de um rio e ficou observando suas águas claras. Viu um pequeno peixe que passeava em busca de alimento, sem se preocupar com a sua presença. O macaco ficou então muito preocupado, achando que o peixe estava com frio e poderia morrer afogado naquele imenso rio. Resolveu ajudar o pobre peixinho. Arriscando-se em cima de um tronco que flutuava, conseguiu agarrar o peixe em seu passeio. Sentiu então que ele estava gelado e pensou no frio que ele, pobrezinho, tinha passado, sem que ninguém o ajudasse. Decidiu então levá-lo para casa e esquentá-lo em seus pêlos. Ao acordar na manhã seguinte, viu que o peixinho estava morto. Ficou triste, mas não se preocupou demais, pois sabia que tinha tentado tudo para ajudar o amigo.
E então: o que há de comum entre eles? Basicamente duas coisas. A primeira é que adoram os animais e a natureza. A segunda (e mais perigosa) é que estão cheios de boas intenções.
O que nenhum dos três aparentemente sabe é que para "cuidar" dos animais e da natureza não precisamos gostar deles, nem ao menos ter boas intenções. Basta que respeitemos os animais como seres sensíveis e conscientes que são e a natureza toda como o mecanismo poderoso que é e do qual somos apenas uma ínfima peça. Não precisamos fazer muito. Aliás, não precisamos fazer nada. Precisamos, sim, deixar de fazer muitas coisas. Precisamos parar de encarar animais como produtos, que servem para tudo, desde nos fornecer comida até fazer às vezes de objetos de decoração em nossas festas, lado a lado com balões e bonecos de plástico. Precisamos parar de encarcerar animais para exibi-los e, ainda, acreditarmos que, com isso, fazemos o bem. Precisamos parar de, pretensiosamente, acreditar que a salvação da natureza está em nossas mãos e que, se julgarmos preciso, devemos fuzilar animais para catalogá-los. Precisamos parar de pensar de maneira antropocêntrica e aceitar as mais simples verdades: animais não gostam de estar em gaiolas, animais não querem ser comidos, animais têm o seu ambiente natural e não se importam nem um pouco com nossos catálogos. Assim procedendo, estaremos aptos para encarar a mais elementar (mas também a mais desconcertante) dessas verdades: a natureza não precisa de nós, humanos, para nada. Pelo contrário, o que de melhor podemos fazer por ela é deixá-la em paz.
Na ânsia de conhecer, de compreender, de admirar a beleza associada à natureza e aos animais, fazemos as piores atrocidades possíveis. Mas sempre cheios de boas intenções.
Esquecemos, porém, que há um "certo lugar" que está repleto de pessoas assim como nós, cheias de boas intenções. O inferno? Sim, mas não um mítico e sulfuroso inferno post mortem: com tantas boas intenções, o inferno é aqui e agora.
Fonte: http://vista-se.com.br/site/cheios-de-boas-intencoes/
“A ciência de Deus” ou “A espécie escolhida”
Noticiados os fatos ocorridos em laboratório da USP, mais uma vez apenas os cientistas favoráveis a experimentação animal tem espaço na imprensa.
Como forma de desagravo a todos que mais uma vez não têm voz, escrevo este simples texto na tentativa de demonstrar o que levou os ditos vândalos a cometerem os atos tão divulgados mídia afora, e o faço respondendo a carta enviada a um jornal do Rio de Janeiro pelo Sr. Dr. Octávio Menezes de Lima Junior, por perceber que ela reproduz os argumentos dos cientistas que lutam, infelizmente, pela manutenção da ordem estabelecida.
De início, é preciso contextualizar o início das práticas vivisseccionistas, que estes cientistas estagnados no tempo, metodológica e eticamente, insistem em apegar-se. Naqueles tempos, século XVII e XVIII as idéias iluministas estavam a todo vapor, o homem era o centro do universo, tudo que havia no mundo havia sido feito para ele - por ser ele superior à natureza – para que usasse como melhor lhe conviesse. Como descreveu Descartes, os animais se assemelhavam a maquinas, não tinham dor, não tinham sentimentos, seus gritos eram como o ranger de uma engrenagem. Não existia Darwin nem sua teoria da evolução das espécies.
Os séculos se passaram, o evolucionismo ganhou força, foi aceito, teoricamente. Cada vez mais percebemos que o homem é só mais um elemento dentro das forças da natureza, que não é destacado, não é superior, é somente parte dela. Mas a ciência, no entanto, não consegue abandonar seu paradigmas antropocêntricos, e um dos mais fortes é esse de acreditar que os outros animais estão aqui para nos servir, para serem usados pela espécie humana. Assim como homem pré-darwiniano, os cientistas vivisseccionistas apóiam-se em ideal creacionista para justificar seus métodos desprovidos de qualquer ética.
Eu não entendo por que propor novos rumos, propor a evolução da ciência para fora do paradigma antropocêntrico é ser obscurantista. Para mim, não aceitar mudanças no que está instituído há séculos, temendo pelo novo é que é a própria imagem do obscurantismo. Uma ciência que respeite indivíduos sencientes de outras espécies, e aceite a não-superioridade humana na natureza (que tipo de superioridade é essa, de uma espécie que destrói seu meio ambiente, tortura outros indivíduos – de todas as espécies, inclusive a sua própria – e mata pelos motivos mais fúteis imagináveis?) é qualquer coisa, menos obscurantista.
O Dr. pergunta se eu, leitor, aceitaria servir de cobaia para testes. Eu respondo que não, que não aceitaria, e sabe por quê? Porque meu corpo a mim pertence, e eu posso escolher se quero ser alvo de mutilações e inoculação de drogas ou não. Utilizar-se dos corpos de animais sencientes, ainda vivos, como se a eles, experimentadores, pertencessem é, no mínimo, antético. Achar que o corpo de outrem lhe pertence é a reprodução do que acreditavam os senhores de escravos, os maridos ou os nazistas. Só porque um indivíduo nasceu em outra espécie, seu corpo não lhe pertence, Doutor. Seguir este preceito é dar cabo a uma lógica preconceituosa, especista, pela qual quem não é do meu grupo (que, obviamente, é superior) está aqui para me servir, como as mulheres estão aqui para servir aos homens, os negros aos brancos, os judeus aos nazistas.
O porquê da comparação: sua idéia de superioridade humana é tão atemporal como todas as citadas anteriormente. Mas é compreensível, e digo isso de forma condescendente, que quem fez sua carreira baseada no paradigma do cientificismo antropocêntrico, não consiga enxergar a questão de maneira imparcial.
Sendo assim, sei da dificuldade de convencê-lo(s) de que aplicar a ética somente ao seu grupo (espécie humana), é algo totalmente arbitrário e desprovido de cabimento lógico. Aliás, é negar o evolucionismo darwiniano e considerar que somos os escolhidos por Deus, Sua imagem e semelhança. Achar que todos os outros indivíduos estão aqui para nos servir (como eram os negros sem alma) e que a humanidade tem o direito de usá-los e torturá-los como bem entender para “salvar-se” nega a ciência, e beira o fanatismo religioso.
Por sinal, como salvar-se sem ética?
O Doutor questiona como fazer para testar medicamentos, então. Ora, isso é um problema seu, dos cientistas da sua área, a história da ciência é buscar alternativas, ou não é? Busco um exemplo ilustrativo: no século XIX a questão era como a economia iria funcionar sem a escravidão negra. E todos aqueles empregos relacionados à escravidão, desde o capataz até o mercador de escravos, passando pelos capitães de navio negreiro. Pois bem, as ciências humanas acharam a solução para aquele “mal necessário”, e o mundo não acabou com o final da escravidão, certo? Ousaria até dizer que ele ficou, talvez, um pouco melhor. Mas me responda uma coisa, se a escravidão ainda fosse um mal necessário, o senhor a apoiaria? Ou nós a aboliríamos, por ser eticamente reprovável e daríamos um jeito de viver sem ela. Assim como o Doutor me pergunta, “posso testar em você, então?”, alguma escravocrata lhe perguntaria “o Doutor trabalhará pra mim, então Será meu escravo?”. Doutor, busque soluções, não repita mecanicamente o senso comum, tentando jogar o problema para os outros.
Não importa se há alternativa ou não, se não é ético, não faça. Do que adianta curar uma doença, a qualquer custo, se vamos viver num mundo imoral, onde amanhã mesmo o senhor pode ser atacado pelos ditos “zooxiitas”. A lógica de quem ataca os cientistas, é a mesma dos senhores Doutores: conseguir o quer pela força. Ou não é pelo uso da força que V. Sa. subjuga os indivíduos de outras espécies? A única diferença que vejo é que eles, os “zooxiitas”, os vândalos, usam a força contra coisas, contra os instrumentos de tortura institucionalizados; já os senhores usam contra indivíduos, contra seres sencientes com capacidade cognitiva altamente desenvolvida, capazes de sentir e entenderem que estão sendo molestados.
Doutor, seu texto é um apanhado de contradições:
“Para eles, por exemplo, testar a vacina Sabin em algumas dezenas de macacos não se justifica, mesmo tendo essa vacina evitado que milhões de pessoas contraíssem pólio e ficassem aleijadas pelo resto da vida. Se assim eles pensam, eu, humildemente, me reservo ao direito de discordar”.
Pois bem, doutor, sem usar nenhum argumento creacionista de superioridade e domínio humano, me explique, por favor, por que testar uma vacina em algumas dezenas de macacos, de forma obviamente não consentida, se justifica para salvar milhões de pessoas, e testá-las em seres humanos, de maneira também não consentida, não se justifica, ainda que sejam salvas as mesmas milhões de pessoas? A conta é a mesma, algumas dezenas por milhões. Por falar em porões da ditadura, percebeu o quão perigoso é este caminho, esta lógica? A ciência não deveria estar atrelada à ética? E, antes da sua resposta, acho importante lembrá-lo que alguns indivíduos de outras espécies, principalmente de primatas, mas também cetáceos e até mesmo aves ou peixes, possuem o sistema cognitivo mais apurado que alguns indivíduos da espécie humana, tendo a capacidade de sentir a tortura física e psicológica pela qual estão passando de maneira muito mais intensa.
Resumindo, não são só “eles”, “zooxiitas”, que acham que os testes não se justificam, mas sim todas as pessoas que acreditam que o progresso da ciência só vale a pena se ocorrer de maneira ética.
Sobre a Lei Arouca, é de grande ignorância achar que ela representa algum avanço, pois mesmo dentro da lógica predominante, ela está algumas décadas atrasada: ela não proíbe testes em animais para cosméticos – o que já é proibido em todo o mundo civilizado -, ela não proíbe o uso de animais no ensino – que já é proibido no Reino Unido e na Alemanha há décadas, além de ter sido abolido voluntariamente da grande maioria das instituições de Europa e Estados Unidos, por sua total irrelevância -, como ainda expande a possibilidade destes testes para cursos técnicos de Segundo Grau, o que até então era proibido.
Em relação aos custos da experimentação, não vou dizer que é mais barato ou mais caro fazer testes em animais, pois não realizei e desconheço tal estudo, mas posso afirmar que TODAS as universidades do país que não implantam alternativas ao uso de animais em sala de aula usam como desculpa o alto custo das alternativas. Posso afirmar também que, independentemente dos custos, há um status quo econômico a ser mantido na experimentação animal, justamente por ser ela tão complexa, como relatado por V. Sa. – não se esqueça que instituições são formadas por pessoas -: há os funcionários pagos para limpar os biotérios, há as empresas que constroem as gaiolas, há as pessoas que alimentam os bichinhos, há os pesquisadores que recebem suas bolsas de estudo – muitas vezes para realizar pesquisas de relevância questionável -, há os grandes patrocínios para as instituições se manterem e pagarem todos os seus diretores. Portanto, é óbvio que há interesse econômico – ainda que não seja o único – em manter as coisas como estão.
Por fim, imagine só, se entre os discordantes das práticas vivisseccionistas há cientistas, e a estes não é permitida qualquer voz no meio acadêmico, ou na imprensa, o que dizer de pessoas “comuns”, que vêem toda essa violência ocorrer contra indivíduos indefesos e percebem que nada está sendo feito para mudar esta realidade. Talvez eles nem sequer entendam os argumentos éticos contrários à experimentação não consentida em indivíduos sencientes, sejam eles humanos ou não, mas sentem a grande injustiça que habita nesta ciência nefasta, que busca seus fins sem se preocupar com os meios utilizados. Quando a violência é institucionalizada é “mal necessário”, quando a força é usada para chamar a atenção para os calabouços da ciência, atacando a ordem constituída, é vandalismo?
Fui obrigado a deixar a sua pérola mais antiética e obscurantista por último, a famosa justificativa do “animais, criados especificamente para esse fim”.Os negros também eram criados na senzala para serem escravos, e isso não tornava a escravidão menos abominável. Quantas mulheres já não nascem com seu marido predeterminado, com seu futuro fadado a servi-lo. Aliás, se eu tiver um filho com o fim específico de pegar seus órgãos para mim, o senhor me defende com seus argumentos finalistas, Doutor? Que boa idéia, por que não clonar bebês em laboratório para retirar seus órgãos para transplante, ou testar novas drogas neles, afinal “eles terão nascido com essa finalidade específica”. Meu Deus, Doutor Octávio, se assim posso chamá-lo, veja até onde seu Vossas colocações nos trouxeram!
Uma espécie que quer ser salva por esses meios, não merece ser salva.
Carlos Ademir Bedin Cipro
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