JOSÉ NÊUMANNE
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Colunas de 29/11
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É bom ter sorte, mas convém ter juízo
Enquanto o óleo de Santos não jorra, o Brasil precisa de energia para andar
Muitas são as evidências do brilho da estrela da sorte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, ele tem ajudado a fortuna que lhe sorri com o imenso talento de se comunicar com seu eleitorado cativo. E também com o engenho político com que engorda os cofres dos bancos e a barriga dos miseráveis – fórmula da poção mágica que o mantém no topo. Mas muitas coisas fogem ao alcance desse talento ou da perícia em usar anteparos para evitar que o descontentamento lhe atinja a imagem e que contribuem para seu inegável carisma e para sua popularidade invejável. O que Getúlio Vargas não teria dado para que a oposição da UDN de seu tempo fosse mansa, dispersa e, sobretudo, atabalhoada quanto a feita pelo PSDB hoje? Quantas penas de sua cauda vistosa de pavão Fernando Henrique não trocaria pela bonança internacional cujos efeitos se reproduzem na ausência de crises econômicas para contornar, no plano interno? Isso sem pensar no general Ernesto Geisel, que, depois de presidir a Petrobrás, teve de conduzir a nau Brasil nas procelas do choque internacional da escassez de petróleo. Pois, se algo faltava, acaba de emergir: um lençol de petróleo leve debaixo de uma camada geológica salina no fundo do mar territorial brasileiro na Bacia de Santos.
Pode-se argumentar que a notícia nem nova é: este jornal revelou há um ano a farta ocorrência do óleo no campo de Tupi. E que, além de ótima, é oportuníssima, por ter sido dada no momento em que as expectativas de um apagão energético põem de novo o brasileiro diante da perspectiva sinistra de optar entre ficar para o bicho comer ou correr para o bicho pegar. Ou seja, ou o País sai da estagnação para cair no gargalo da infra-estrutura, incapaz de segurar o rojão. Ou fica estagnado para continuar derrapando nas curvas das estradas esburacadas, dos portos obsoletos, da dependência de gás da Bolívia (imaginem só!) e do Caos Aéreo Nacional. A superjazida anunciada pode ser uma bênção de Deus, como o presidente reconheceu, em humilde ato de contrita contenção, mas não resolverá a crise de abastecimento, prevista para os próximos quatro anos, do gás natural de que termoelétricas, indústrias e até alguns automóveis dependem para gerar energia, produzir e se mover.
Ou seja: ainda que se considere apenas um muxoxo despeitado de perdedor a leitura feita pela oposição de que o anúncio foi feito para tentar abafar os ecos da crise do gás, a verdade é que ele não retifica, mas, ao contrário, ratifica a evidência de que o governo Lula tem tido muito mais sorte que juízo. Além da decisão divina de prover depósitos invejáveis de combustíveis fósseis no subsolo de nossa bela e ampla costa marítima, urge bendizer agora a opção correta da Petrobrás, tomada ainda à época da ditadura militar que o líder sindical Lula combatia, de prospectar óleo nas profundezas do oceano, já que não havia mesmo o que encontrar em solo firme. Mas não há milagre de Frei Galvão capaz de suprir as carências energéticas do desenvolvimento brasileiro para os próximos sete anos, prazo tido como razoável para o início da extração, com o petróleo cubado do campo de Tupi.
É justo que Lula festeje publicamente mais um sintoma de sua sorte, já que sua estrela de hoje produzirá excelentes resultados para os brasileiros no decênio que vem. É natural que, como tem feito com argúcia ao longo de sua carreira pública, tente carrear esse êxito para o grupo político que chefia, como o fez ao transferir a honra do anúncio para sua chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Embora a candidatura dela à sua sucessão talvez venha a exigir muito mais combustível político que o equivalente em óleo cru que possa o campo de Tupi produzir. Mas a Nação terá mais motivos para comemorar se o óleo cheirado pelo presidente numa pedra nele incutisse a disposição de agir de forma mais sensata na gestão do perfil energético nacional, enquanto o petróleo esperado não jorrar.
A experiência internacional tem dado razões para mostrar que a má gestão de riquezas proporcionadas pela escassez mundial de combustíveis fósseis não tem melhorado significativamente a vida dos povos assentados sobre territórios cujos subsolos são irrigados pelo ouro negro. A riqueza produzida pelos poços de Maracaibo pode melhorar o arsenal das Forças Armadas venezuelanas e engrossar o tom arrogante do neocaudilho Hugo Chávez, mas não tornou a Venezuela um país desenvolvido. A ostentação de sinais exteriores de riqueza pelos xeques árabes não fez de suas tribos potências planetárias. Da mesma forma que a dependência da importação de derivados de petróleo não reduziu o poder econômico e bélico dos Estados Unidos, a prosperidade japonesa nem o padrão de vida dos europeus.
É claro que vai ser ótimo para o Brasil entrar no poderoso clube dos países produtores de petróleo, a Opep, embora isso, se realmente se concretizar, só venha a ocorrer no fim do governo que sucederá ao atual. Mas melhor ainda seria se o presidente que anuncia essa expectativa tivesse tirocínio suficiente para entender o ridículo que é propor petróleo mais barato para os pobres ou outras patacoadas que podem ficar bem na boca de Chávez, mas nunca na do presidente de um país que tanto perde por não parecer sério, como o nosso. Exportar petróleo deverá ser ótimo para o Brasil. Mas, enquanto isso não acontece, já seria bom se nosso presidente não se curvasse à truculência de Evo Morales e fosse capaz de entender o insulto irônico de Chávez ao chamá-lo de “magnata do petróleo”. E reagir à altura: em vez de contar com a omelete de um ovo que a galinha dos ovos de ouro de Santos ainda não pôs, bem que Lula poderia ter mandado o venezuelano calar a boca, antes de o rei Juan Carlos, da Espanha, fazê-lo. Sorte ajuda, mas não basta para impor o respeito que o senso de ridículo daria.
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