Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 92
(Próxima: 20/5/2010)

Nêmesis, a Justiça Divina

Na tradição Órfica, o Universo e os deuses primordiais nasceram do Ovo Cósmico de Nix, que surgiu de um desdobramento do Caos. Érebo era a escuridão profunda do momento da criação, e mais tarde passou a se localizar na região subterrânea do Hades. A escuridão acima de Gaia era representada por Nix, que se uniu a Érebo e criou Éter, a luz atmosférica, e Hemera, a luz do dia; depois se desdobrou e gerou sozinha divindades como as Hespérides, as Moiras, Éris, Lete e Nêmesis.

Quase todos os descendentes de Nix  foram abstrações personificadas, como Nêmesis, que simboliza a indignação pela injustiça praticada e a punição divina diante do comportamento desmedido dos mortais. Sua função essencial é restabelecer o equilíbrio, quando a justiça deixa de ser praticada. No significado da palava nêmesis em grego está o verbo distribuir, daí ser Nêmesis a “justiça distributiva”.

Nêmesis teria se envolvido com Zeus quando, desejada por ele, percorreu o mundo para fugir da perseguição, até que se metamorfoseou em gansa. O deus se transformou em cisne e a ela se uniu. Nêmesis-gansa pôs um ovo, que foi escondido em um bosque. Encontrado por um pastor, o ovo foi entregue à Leda, rainha de Esparta, que o guardou num cesto até que, no tempo devido, nasceram os filhos da união. Em uma variante mais conhecida, foi a própria Leda que se uniu a Zeus. Do ovo de Leda nasceram os imortais Pólux e Helena e os mortais Castor e Clitemnestra. Os dois primeiros foram considerados filhos de Zeus, os dois últimos filhos do rei Tíndaro.

Na tragédias, Nêmesis era considerada uma vingadora dos crimes e punidora da ‘hybris', a desmedida dos homens. Nêmesis figurou no mito de Narciso, lindo jovem desejado por ninfas, jovens e deusas. Preocupada com o assédio, sua mãe consultou o adivinho Tirésias, que disse que Narciso viveria muitos anos, desde que não se visse.

Embora fosse muito assediado, Narciso era insensível às paqueras. A ninfa Eco foi sua apaixonada mais famosa. Eco era muito tagarela e Zeus sempre pedia que ela distraísse a esposa Hera para que ele saísse tranquilamente em seus passeios amorosos. Após descobrir seu envolvimento, Hera condenou Eco a não falar mais, apenas repetiria os últimos sons que ouvisse. A jovem se isolou e deixou de se alimentar, definhou até se transformar num rochedo que repetia os últimos sons do que diziam, o eco.

As outras ninfas, chateadas com Narciso, clamaram por Nêmesis, que o condenou a um amor impossível. Assim, quando debruçou sedento em uma límpida fonte, Narciso se contemplou e admirou o que todos admiravam no espelho das águas; apaixonou-se pelo reflexo da sua imagem. No lugar do seu corpo acharam uma flor amarela de pétalas brancas no centro. Cumpriu a profecia de Tirésias e a maldição de Nêmesis.

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