Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Coluna de 20/3/2008
(Próxima coluna 27/3)
Marta nas paradas
Disputa de Kassab com Alckmin torna viável a volta de Marta à Prefeitura
Na última campanha eleitoral pela Presidência da República, o PSDB tinha tanta certeza de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, seria derrotado pelo escândalo do “mensalão” que o então prefeito da capital, José Serra, e o ex-governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin se engalfinharam numa guerra autofágica pela subida honra de vencê-lo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a cunhar uma frase aparentemente acaciana, mas que não resistia, como não resistiu, aos fatos. Em entrevista à revista Playboy, garantiu que Alckmin era melhor candidato, mas Serra seria melhor presidente. Ainda não dá para saber se Serra seria um bom presidente, pois na única vez que disputou perdeu para Lula. Mas o atual governador paulista já se tinha provado excepcional candidato ao derrotar a prefeita Marta Suplicy, do PT, com ela no cargo e tendo sua gestão aprovada no dia da eleição pela maioria do eleitorado paulistano. A forma desastrada como Alckmin conduziu a candidatura presidencial no segundo turno, que caíra do céu por conta da lambança dos chamados “aloprados”, que produziram um falso dossiê para tentar derrotar Serra para o governo estadual e favorecer o senador petista Aloizio Mercadante, deixou claro que melhor candidato que Serra ele não é.
Em benefício do ex-governador é possível dizer que, graças à sua pertinácia, ao afastar o oponente da liça, como fez, ele terminou por prestar um grande serviço ao próprio partido, uma vez que, não se candidatando à Presidência, Serra pôde disputar e ganhar – no primeiro turno – o governo do maior Estado do País. Nunca se saberá se Serra ganharia de Lula, mas qualquer observador isento verificou que a aposta feita pelos tucanos na denúncia de corrupção não passou de sonho de uma noite de verão. E o mais provável é que Lula derrotasse qualquer um deles, uma vez que o PSDB perdera completamente a autoridade de empunhar a bandeira da moralidade depois de salvar a pele de seu ex-presidente nacional Eduardo Azeredo, acusado de ter fundado o esquema que mais tarde seria usado no âmbito federal e já tendo como operador o publicitário mineiro Marcos Valério.
Isso permitiu a Lula e ao PT darem um banho de estratégia política nos adversários, facilitado pelo erro tático de Alckmin, que, em vez de defender a privatização empreendida por seu correligionário Fernando Henrique, perdeu a oportunidade de ganhar o inesperado segundo turno ao ficar numa defensiva tíbia e pouco inteligente. Numa demonstração de clarividência extraordinária, o presidente isolou os tucanos em São Paulo (já que não havia mais o que fazer), derrotando-os em 2006 e preparando o terreno para 2010, numa tentativa de minar o favoritismo dado pelas pesquisas a Serra.
O que talvez nem os mais otimistas estrategistas petistas imaginavam é que tucanos e dêmicos fossem de um egocentrismo tal que terminariam por pôr em risco até esse bastião em que se instalaram nas últimas eleições, desde que desalojaram o PT da Prefeitura da capital em 2004. Os antigos romanos diziam que “errare humanum est, sed in errore perseverare diabolicus est” (“errar é humano, mas perseverar no erro é diabólico”). Se na Roma dos Césares houvesse um PSDB ou um DEM, é provável que eles substituíssem o diabólico por tucano ou dêmico. Pois a dura batalha entre o ex-governador Geraldo Alckmin, do PSDB, e o prefeito Gilberto Kassab, do DEM, para disputar com o PT é a estulta preservação do erro da última campanha presidencial: um fogo amigo que só poderá levar às cinzas da derrota.
Quando essa luta começou, Marta Suplicy nem ousava se candidatar, principalmente depois de ter presenteado o dístico “relaxa e goza” a qualquer adversário que concorra com ela por votos. Mas agora a ministra do Turismo é candidata e as pesquisas, apesar de anunciarem sua derrota no segundo turno para qualquer um de seus adversários, já reconhecem claramente suas chances.
Assim como na última campanha presidencial Alckmin inovou ao usar como puxador de votos seu falecido antecessor, Mário Covas, desta vez contribuirá para o folclore político ao criar o “continuísmo sem continuação”. Como PSDB e DEM têm um consórcio que funcionou em São Paulo muito bem até agora, ele não se poderá opor à gestão de Kassab, pois, afinal, esta é a continuidade da de Serra, como dele fora a do citado Covas. Mas, de igual maneira, não lhe será fácil convencer o eleitorado de que ele continuará a gestão de Kassab, sendo o próprio prefeito seu adversário no primeiro turno. É legítimo que o prefeito queira disputar a reeleição, instituto acrescentado à ordem constitucional brasileira por um correligionário do ex-governador, o ex-presidente Fernando Henrique. Alckmin também julga-se no direito de disputar a Prefeitura com as pesquisas o apontando como pleno favorito. Caberá ao eleitor decidir entre os dois quem enfrentará a adversária petista no segundo turno e isso é democrático.
O fato, contudo, é que a disputa entre Alckmin e Kassab tem produzido tantas arestas nos dois partidos que lhes dão sustentação e são tradicionalmente aliados que dificilmente aquele dentre os dois que for derrotado no primeiro turno arregaçará as mangas pelo vencedor no segundo para evitar que a Prefeitura caia de volta nas mãos do PT. Desde Cristiano Machado, o candidato do PSD que foi traído pelas bases que votaram em Getúlio Vargas, do PTB, em 1950, a chamada “cristianização” tem feito vítimas muito ilustres na política brasileira. Caso do dr. Ulysses Guimarães na eleição vencida por Fernando Collor, por exemplo. Com o apoio de Lula e seus aliados, Marta Suplicy pode repetir os feitos do presidente e do governador de São Paulo, passando os favoritos para trás. E, se conseguir, ainda poderá ajudar Lula a fazer o sucessor em 2010.
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