"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/2/2009
(próxima coluna: 9/3/2009)


JANELAS: MANHÃS E TARDES

O sol se põe atrás de mim. Atrás da serra do Mar. Atrás de um horizonte que desconheço. O Oeste: Chapecó, Argentina, Chile. Pacífico e mais além. Quase sempre tive as costas voltadas para as tardes. Sou matutino. Quando criança, meu quarto nascia com o sol. Ele vinha lá pelas bandas de São Francisco e chegava ao meu quarto já quente e amarelo, como todo bom sol deve ser. Eram festivas as manhãs. Eu acompanhava a diminuição da sombra, à medida que o tempo passava, até que eu pudesse pôr o pé sobre minha cabeça: meio-dia. A vida no centro. As tardes aconteciam, mas não me fascinavam. Tento me lembrar agora, tento resgatar essa indiferença na memória, seus motivos. Não encontro. Sei apenas que nas tardes o sol escondia-se atrás do morro de Jaraguá. Eram tempos matutinos, abertos, puros.

Depois vim para a “cidade grande”. A primeira vez que morei sozinho, o nascer do sol era visto da janela da sala. A paisagem havia mudado, havia casas, telhados, muros, mas como a casa era num morro, proporcionava uma certa visão do alto. As manhãs plenas de verão me visitavam muito. Eu costumava dormir na sala para acordar cheio de luz. E acordava. E gostava de ver os alaranjados matutinos acontecerem lentamente, às vezes refletidos em nuvens, eles iam se esvanecendo, se esvanecendo até que se transformavam em manhãs azuis. Algumas vezes as manhãs ficavam cinzas, claro! As nuvens venciam. Coisa comum às terras da Colônia Dona Francisca. De qualquer forma, eram manhãs visitando minha casa. Era o dia chegando e avisando que a vida acordava. Novamente as tardes eram perdidas, antecipadas pelas outras casas mais acima.

Agora, moro noutro lugar. A ordem inverteu. As manhãs não chegam mais na hora na minha casa. Em compensação, as tardes encontraram pouso certo. Pela primeira vez posso ver todo o evoluir da tarde pela janela do meu quarto. O contrário se estabelece. Elas começam plenas, quentes, azulescentes demais. E aos poucos vão se contornando em distância, frescor, e acontece aquela luminosidade inigualável dos crepúsculos. Hoje, percebo, apesar da afetividade que tenho com o nascer-do-sol, que o pôr-do-sol é mais lento, mais intenso, parece acariciar melhor a montanha. Os crepúsculos que avisto da minha janela atual, ensinam-me lições de partir, ensinam-me a vida anoitecendo silenciosa e vasta. Agora, percebo que foi bom não ter tido tardes memoráveis na infância, porque as atuais estão se apresentando inéditas, cheias de nuances desapercebidas até então e isso me deixa contente.

Sem ser traidor com as manhãs, penso que as tardes agora me parecem mais propícias aos poemas, às palavras tenras, macias, mas firmes. Algo que somente a tarde e a experiência conseguem. Se antes eu era todo costas para a tarde, agora sou frente, olhos e peito abertos ao espetáculo que se apresenta em minha janela.

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