Coluna 165
"Quando se é capaz
de lutar por animais, também se é capaz de se lutar
por crianças ou idosos.
Não há bons
ou maus combates, existe somente o horror ao sofrimento aplicado aos mais
fracos, que não podem se defender".
Brigitte Bardot
Olá queridos leitores,
Trago hoje alguns recortes de uma matéria muito interessante que encontrei fazendo uma pesquisa na net. Serve como curiosidade e para refletirmos sobre nossos melhores amigos, os animais não humanos. Deveríamos pensar neles com respeito, como companheiros de jornada, como parte integrante desse universo do qual fazemos parte e nunca de forma utilitarista. Acho a relação Homem-animal interessante se pensarmos em troca, amizade, respeito. Caso não possa ser dessa forma, que os animais fiquem livres, como todos nós queremos ser!
Abraços
Fonte: http://www.adotacao.com.br
O vira-lata brasileiro é um cão autônomo, de grande inteligência e com enorme capacidade de conformação. Seus formato e tamanho são médios. Sua pelagem é curta e de cores ajustadas às condições ambientais, variando do negro ao bege-claro. Correm, nadam, sabem dissimular e têm todos os sentidos aguçados e bastante equilibrados. Muitas pessoas certamente ficariam na dúvida em identificar o nome de certa raça de cachorro com pedigree, mas poucos hesitariam em reconhecer um vira-lata, um rasga-saco, um pé-duro ou um, na linguagem formal dos veterinários, SRD (ou sem raça definida).
O SRD tolera e resiste a doenças e enfrenta sozinho condições ambientais adversas nas quais outros cães não teriam nenhuma chance de sobrevivência, seja no meio do mato, seja na área rural ou mesmo nos grandes centros urbanos. Oposto aos cachorros de raça, especialistas por natureza, o vira-lata é antes de tudo um generalista. Seu talento, seu conhecimento e seu interesse se estendem a vários "campos", não se confinando em nenhum setor, como seus parentes com pedigree. Ele está geneticamente equipado para lidar com diversas situações, impostas pela natureza ou pelos seres humanos.
Uma coleção de acasos e oportunidades deu origem e moldou o vira-lata brasileiro. Ele segue evoluindo enquanto, no caso dos cães de raça, o esforço dos seres humanos é garantir a não evolução, a manutenção das características da raça e sua imutabilidade. Nesse processo, o animal vira-lata foi bem mais proativo que o ser humano. Na história de introdução e multiplicação de cachorros Brasil afora, o cão foi mais sujeito que objeto. Ele sentia o cio das fêmeas. Ele fugia para encontrá-las, viver suas aventuras. Pouco exigente em termos de alimento e abrigo, ele fez sua vida nas fazendas, nas cidades, nos vilarejos, acompanhando boiadas ou bandeiras, sítios e residências, saltando de canoa em canoa, de vagão em vagão, de circo em circo, seguindo andarilhos e romeiros ou caminhando solitário pelas trilhas e estradas, empreendendo viagens aventureiras e amorosas pelas terras brasileiras.
Olhos nos olhos
É necessário enorme treinamento para um chimpanzé aprender o significado de uma ordem ou de dois gestos humanos. Mas um cachorro é capaz de entender mais de 100 palavras e identificar pelo nome até 200 objetos. No Pantanal, nos sertões e nas montanhas de Minas Gerais, os cães pastores atendem a apitos, assobios, gritos, palavras e gestos, mesmo a grandes distâncias, realizando com precisão suas tarefas entre os rebanhos de bovinos, ovinos e caprinos. Da mesma forma, na zona rural, os vira-latas aprendem e colaboram nas diversas técnicas de caça empregadas no caso de onças, tatus, pacas, perdizes, jacus ou no que seja. A razão é simples: há milhares de anos o cachorro tem sido selecionado para nos entender, nos ajudar, cumprir nossas ordens e atender a nossos desejos.
Desde sua domesticação, o cachorro tornou-se uma criatura poliglota, uma das poucas capazes de comunicação interespecífica. Esse animal bilíngue é capaz de comunicar-se com sua espécie e com os seres humanos como nenhum outro. Os cães estão sempre atentos, captam e interpretam a voz das pessoas, seus gestos, a expressão de seu rosto e, sobretudo, seus olhos. É obrigação deles insinuar-se no meio dos seres humanos, acompanhando sua evolução, conquistando os mais diversos grupos e lugares sociais. O primeiro terráqueo a viajar até o espaço sideral foi um cão: a cadela russa Laika.
Algumas raças de cachorro praticamente não latem, outras não uivam e outras são muito barulhentas. Os vira-latas, dada a multiplicidade de situações que enfrentam para sobreviver em meio a outros animais e seres humanos, em áreas rurais e urbanas, não perderam nem uma só nota musical de suas competências sonoras. Cachorros são capazes de rosnar, acuar, barroar, cainhar, esganiçar, ganir, ladrar, latir, uivar e ulular. Não temos tantos verbos para descrever os sons de outra espécie animal. E, no universo sonoro, os cães ainda são aptos a muito mais. Nós é que, simplesmente, não os escutamos.
Suas orelhas, estimuladas por 25 músculos, giram, sobem, descem, movem-se de forma dissociada ou coordenada e detectam com precisão a origem dos sons. Para defender um estábulo ou caçar uma presa, por exemplo, esse recurso é fundamental. Cães são bem mais eficientes que gatos ao caçar ratos, apesar do inabalável marketing dos felinos. Eles percebem os ruídos sutis das mandíbulas dos roedores e sabem onde estão. Seu aparelho auditivo pode captar frequências duas a três vezes maiores do que somos capazes. Em termos de comparação, para alcançar a gama auditiva dos cães, teríamos de agregar 48 teclas à direita de um piano. Por isso, eles sabem, de longe, pelo som, se um animal escapou do curral, se um estranho parou do lado de fora do muro ou se o veículo de sua dona se aproxima a cinco quadras dali. E, diante disso, tomam todas as providências pertinentes.
Faro fino
Cães de raça são procurados em canis especializados, comprados por altos valores e vêm com atestados de pedigree. No caso dos vira-latas, ocorre exatamente o contrário: são eles que buscam os seres humanos. Eles são capazes de insinuar-se e ser úteis nos mais diferentes ambientes ecológicos, sistemas de produção ou condições sociais do Brasil. Se os atestados de pedigree documentam toda a linhagem genealógica de um animal de raça, quase nunca se tem ideia de quem foram os pais de um vira-lata. Mesmo assim, um cão de pedigree com chip de identificação e toda a sua genealogia mapeada tem pouca chance de sobreviver se for abandonado, por exemplo, no meio da avenida Paulista, em São Paulo.
Já os vira-latas urbanos aprenderam a atravessar a rua. Aguardam os veículos passarem. Respeitam os sinais. E, em muitos casos, usam "homens-guias": nos cruzamentos mais difíceis, eles observam e seguem as pessoas. Da mesma forma que os deficientes visuais se utilizam dos cães-guias, os vira-latas, nessas e em várias outras situações, se servem dos seres humanos. Tudo isso sem que seja preciso treiná-los.
Os vira-latas demonstram tão rapidamente sua capacidade de apreender e expandir a mente por razões genéticas. Mas também porque, desde os primeiros dias de seu nascimento, estão expostos a grande variedade de experiências sensoriais, sobretudo nas patas. Seguem a mãe no capim, na areia, no cimento, na terra.
O agitar da cauda expressa a vida emocional dos cachorros, do mesmo modo que nossas expressões faciais. A cauda é, de certa forma, o rosto do cão. Estudos comprovam que o rabo balança, de forma assimétrica, de um lado para o outro. O cachorro agita sua cauda mais para a direita na presença ou proximidade de seu dono e em situações de conforto. Ele a balança mais para a esquerda quando está com medo, cauteloso ou apreensivo. Como diz a lenda, existem vira-latas tão inteligentes que são capazes de jogar pôquer. Mas nunca ganham porque quando têm um bom jogo... sempre balançam o rabo.
A maior genialidade sensorial do vira-lata é seu olfato. Além de uma sensibilidade bem superior à nossa, o que assombra é sua capacidade seletiva. Onde sentimos cheiro de feijoada, o cachorro identifica o odor da linguiça, do feijão, do louro, da cebola e de todos os ingredientes, um por um. O olfato seletivo dos vira-latas permite que sigam uma pista, uma presa ou uma fêmea por longas distâncias. Eles identificam no meio de um saco de lixo a presença de algum item comestível - ou seja, qualquer produto orgânico em qualquer estado de decomposição. Vira-latas não ruminam. Engolem quase sem mastigar. Seu suco gástrico poderoso transforma todas as matérias e bactérias em nutrientes saudáveis.
Com esse conjunto de excelências, é normal que, como superlativo de beleza, utilizemos, em português, a expressão: "Bonito pra cachorro!" Da mesma forma, um prato delicioso é "Bom pra cachorro!" Para elogiar a excepcional competência ou o bom desempenho de alguém, dizemos "O cara é o cão!" E a fidelidade a toda prova é descrita como "lealdade canina".
Atores históricos
Os vira-latas desembarcaram com os portugueses, participaram das entradas e bandeiras, testemunharam o grito do Ipiranga às margens plácidas, a proclamação da República e estiveram presentes nas diversas expedições do marechal Rondon e dos irmãos Villas Bôas. Há uns 15 anos, ouvi, emocionado, em uma roda de jornalistas, uma lição de patriotismo relatada pelo grande indigenista Orlando Villas Bôas como quem conta um causo. E vou narrá-la, do jeito que eu me alembro.
Orlando estava numa de suas heroicas expedições pelo Brasil desconhecido, sem contato com a civilização há muito tempo. Um dia, consultando seu diário, realizou que era 7 de setembro. Não teve dúvida. Mandou improvisar um mastro com um tronco de paxiúba. Reuniu todos os seus homens e, em ordem-unida, hastearam a bandeira brasileira e cantaram o Hino Nacional lá no coração da selva. Uma manifestação cívica, sem nenhuma outra testemunha senão a natureza naquele fim de mundo. A emoção foi geral. Terminada a comemoração patriótica, o chefe de seus mateiros, um rude e experimentado sertanejo, aproximou-se. Com jeitinho, quase confidente, puxou o sertanista de lado e comentou: "Bonita cerimônia, hein, doutor Orlando?" "Pois é", respondeu o sertanista.
"Que mal lhe pergunte...", prosseguiu o sertanejo, curioso. "Qual foi mesmo a razão dessa homenage toda?" "Ora! A independência!", respondeu Orlando. "Ah! Ela merece, merece mesmo." "Como assim?" "A Pendência!" "Pendência?!", questionou o sertanista, intrigado.
Foi quando ouviu do mateiro: "É, ela memo. Cachorra boa pra paca como a Pendência nunca mais nóis tivemo, depois que aquela onça matô a coitada. E eu que já quase nem me alembrava do dia dessa tragédia..."
fonte: National-Geographic
Esta coluna é atualizada mensalmente, dia 19.
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