Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 102
(Próxima: 20/11/2010)

Electra

A tragédia Electra, do grego Eurípides, foi provavelmente representada pela primeira vez nas Dionísias Urbanas, umas das festas religiosas mais importantes de Atenas, celebrada no início da primavera em honra ao deus Dioniso. A festa durava seis dias e consistia em sacrifícios, procissão solene e concursos dramáticos. Segundo as lendas sobre Dioniso, foi em uma dessas festas que surgiu um elemento fundamental na arte teatral, a figura do ator, quando uma pessoa do coro dialogou como se fosse o próprio deus.

O poeta Homero não mencionou a irmã de Orestes em seus escritos, mas os grandes poetas trágicos escreveram variadas versões sobre Electra. Diferente de Ésquilo e Sófocles, que também abordaram o tema, Eurípides deu maior destaque a Electra, cuja mãe era Clitemnestra, a rainha de Micenas, que foi cortejada por Agamêmnon quando ainda era casada com Tântalo II. Agamêmnon assassinou o marido e o filho recém-nascido dela, forçando-a a casar com ele. Antes de ir para a Troia, Agamêmnon atraiu Clitemnestra até Áulis sob pretexto de casar a filha mais velha Ifigênia. Mas a intenção era sacrificar a jovem para que conseguisse bons ventos para a viagem.

Após dez anos, Agamêmnon retornou para Micenas, trazendo como espólio de guerra a profetisa Cassandra, irmã do raptor de Helena. Clitemnestra recebeu o rei e o sacrificou dentro do palácio, com a ajuda do amante Egisto, com quem ela se uniu nos longos anos em que o marido esteve na Guerra de Troia. Em algumas versões, Electra salvou o irmão Orestes da tragédia familiar e o enviou para longe do reino.

Electra odiava Egisto por ocupar o trono do pai, e não perdoava a mãe pelo adultério e pela coautoria na morte de Agamêmnon. A jovem foi tratada como escrava durante anos. O novo casal real a obrigou a se casar com um simples camponês para que não tivesse um filho nobre, ou seja, alguém que fosse capaz de vingar a morte de Agamêmnon, pois o direito antigo era regido pela lei do ‘génos'. Em nome da justiça, havia obrigatoriedade de vingança, se houvesse ‘hamartía' entre familiares unidos por parentesco sagrado (pais, filhos, irmãos, netos) ou parentesco profano (esposos, cunhados, tios e sobrinhos).

Orestes estava destinado a vingar os descomedimentos da mãe e do amante dela, mas Electra ajudou nos planos na grande vingança. Um dia a rainha teve visões do eídolon do marido morto e pediu que Electra fosse ao túmulo de do pai fazer oferendas. Lá encontrou o irmão e com ele combinou uma represália aos assassinos. Orestes se fingiu de estrangeiro e anunciou a própria morte. Clitemnestra achou que se livrara da punição e chamou Egisto para comemorar. Quando este entrou no palácio, foi o primeiro a cair com os golpes de Orestes. Depois foi a vez de Clitemnestra.

Orestes foi perseguido pelas Erínias, que representavam o eídolon da mãe assassinada. As Erínias, chamadas de Fúrias entre os  romanos, eram três mulheres aladas vingadoras dos crimes cometidos contra os consanguíneos. Na busca pela purificação dos crimes, Electra ficou ao lado do irmão e cuidou dele até o julgamento final no Areópago de Atenas.

A história de Electra é a versão euripidiana da vingança final de Orestes contra os assassinos de seu pai. Um fato importante sobre Electra era seu apego ao pai, como mostra o ‘Complexo de Electra' denominado por Jung. Diferente de Édipo, Electra não matou a própria mãe, mas ela induziu o irmão. Na psicanálise, alguns elementos do complexo dizem que, depois da fase em que se fixa afetivamente na mãe, a menina se fixa sobre o pai e tem ciúmes da própria mãe.

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