COLUNA DE THATY  MARCONDES 
Na área empresarial, trabalhou na implantação de projetos de administração, captação e aplicação de recursos, e ainda em redação e revisão de textos técnicos. Nascida em Jundiaí, reside atualmente em Ponta Grossa/PR, onde exerce o cargo de Delegada na área Literária (Secretaria Municipal da Cultura).

2ª quinzena de fevereiro de 2010 - Coluna 124
(Próxima coluna: 3/3/2010)

No cordão da saideira

“Hoje não tem dança, não tem mais menina de trança nem cheiro de lança no ar...”
(Edu Lobo – No cordão da saideira)

              Está chegando o carnaval. Pra alguns já chegou. Pra outros, nunca será carnaval – não como alguns o conhecem. Aquela imagem da minha infância: o cordão, o bloco, a mortalha, a pequena escola de samba do interior... Coisas distantes de mim, do mundo atual, do presente. E enquanto alguns se preocupam com o figurino, com o adereço, com o carro alegórico, com a plástica e o bronzeado pra fazer pose de beleza na avenida, outros continuarão no cordão das sobras, no bloco dos desafortunados, na escola da mendicância. Nem Arruda atrás da orelha – Deus o livre e guarde, que decepção -, nem louro queimando na brasa, nem alho atrás da porta, nem reza, nem mandinga, nem pastor gritante, apenas nada: nada que traga de volta a esperança, a fantasia fora de hora, o rebolado na passarela, o luxo jogado fora.
              Antigamente existia a solidariedade – ao menos um prato de comida, não se negava a ninguém que tocasse à porta. Mas hoje em dia ninguém tem tempo: é tudo corrido, tudo congelado, pré-fabricado, pré-cozido, mal assado, mal cozido, e o povo, mal amado. O que perdemos? A fé, a religião, Deus? Estou falando de Deus, aquela chama que arde dentro de nós (ou deveria arder), não esse Deus vendido às dúzias, impresso em pequenas tiragens, colocado em cartinhas nas caixas de correio, espalhado às centenas pelos e-mails de quem não se sabe nada (nem ao menos o nome do seu Deus ou a sua religião), declamado aos brados por meninos prodígios vestidos de homem versando a Bíblia nos portões das lavadeiras de quintais alheios, professado até nos blocos de carnaval (talvez apenas de outros carnavais).
              Tempos modernos – alguns dirão. Pois acho que são tempos dos infernos: a nudez estampada, o sexo carnal, os bardos solitários versejando musas inexistentes, as mães cobrando pensão.
              Essa elucubração mental de nada adianta, nada melhora, mas, também, não há de piorar nada que já não esteja totalmente degradado, decadente, podre. Serve apenas pra que eu reflita que em alguns momentos eu também posso ser humana – embora apenas quando sobra tempo.


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