O DIVORCIADO
A mulher o mandou embora. Ele perguntou o motivo, mais por respeito por quem viveu com ele 23 anos. Sabia que não existia mais nada. Ele e a mulher não tinham nem mais aquela convivência pacífica de muitos casais sem amor. Todo o casamento tinha se tornado uma sensação de engodo. Aceitou a separação, secretamente agradecido. Era jovem ainda, não estava tão desengonçado que não pudesse se recuperar em pouco tempo. Saiu de casa com malas, carro, alguns objetos pessoais. Ao dizer adeus para a mulher, os dois, estranhamente, choraram.
Logo, foi se ajeitando, tanto com o pouco espaço de seu novo apartamento quanto pelo grande espaço que o viver sozinho dá. De sua janela, pode ver uma espécie de horizonte-abismo. Lindo e assustador. Resolveu sair com um amigo já há um bom tempo separado. Estranho mundo dos coroas caçadores: ora garotas que tinham a idade de sua filha; ora mulheres, até mais velhas do que ele, que insistiam em ter apenas a idade de sua filha. Além disso, os seus conhecimentos sobre conquista estavam defasados. Tudo parecia diferente. Assim, decidiu colocar em prática um desejo antigo, nunca realizado, talvez por pudor, respeito, bom senso, amor, medo. O fato é que, agora, era homem livre, e uma loucura irresponsável poderia cair bem. Contratou uma prostituta.
Depois que marcou com a moça, arrependeu-se, suou, pensou em desmarcar. Logo ela chegaria. O barulho do interfone. Atende tremendo. Manda a moça subir. Ouve os passos dela no corredor. Olha o apartamento, tudo em ordem, tudo limpinho. Batidas na porta. Abre. A visão nubla. Adolescente aos 50, coisa ridícula, ainda teve tempo de pensar antes de tropeçar no sofá. Ela riu e era linda. Uns minutos de constrangimento. A moça se movimenta em sua direção desabotoando a blusa. Ele prende a respiração. Não acredita que está sendo um daqueles exemplos de homem que as prostitutas sempre falam nas entrevistas: o que só quer conversar. E era isso mesmo, aquela mulher linda e cara ali na sua frente e ele só queria conversar, só queria saber dos clientes dela que só querem conversar. O que estava acontecendo com ele? Os anos de marasmo no casamento, a atenção total ao trabalho tiraram dele a libido? E os planos que fez a semana toda: a noite recheada de loucuras, o sexo animal nunca praticado com ninguém? O corpo da mulher achegou-se ao seu, era experiente, sabia o que sussurrar, sabia onde pôr a mão, sabia reavivar esquecimentos.
A moça o acorda dizendo que precisa ir, fala o preço pelo serviço prestado, elogia e pede para voltar sempre. Ele paga, agradece e diz adeus. Chega ao trabalho. Exige de si mesmo as férias vencidas há anos. Delega funções, estabelece compromissos com seus funcionários, deixa o celular com a secretária e sai. O mundo o espera. Sozinho? Por um momento pensa na ex-mulher, na possibilidade de sequestrá-la para uma nova vida. Ri alto dentro do carro: isso sim que seria uma loucura...
Arquivo de colunas anteriores:
01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 , 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72 , 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89