JOSÉ NÊUMANNE PINTO
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Coluna de 12/6/2008
(Próxima coluna 19/6)
Na Amazônia não bastam saliva e jeito
O lema que define, neste Dia Mundial do Meio Ambiente, a gestão arriscada da Amazônia pelo governo brasileiro é "com saliva e jeito, tudo será feito". Pode parecer grosseiro, mas é exato: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Carlos Minc não atuam na maior floresta tropical do mundo como gestores republicanos sérios de uma área problemática para o planeta e que ocupa mais da metade do território nacional, arduamente conquistado por nossos ancestrais, mas como se fossem feiticeiros tribais. O chefe confia exageradamente na própria capacidade retórica de submeter a vida real a sua fantasia pessoal, substituindo ação pela intervenção de um deus ex machina ideológico, uma panacéia universal semântica e abstrata batizada de "vontade política". O subordinado, egresso da vã tentativa de substituir uma ditadura de direita por outra de esquerda e da elegante luta internacional pela preservação ambiental, agora apela para os poderes midiáticos de seu colete salva-verde e sobrenaturais de Deus. Após confessar sua impotência, prometeu superá-la, não com ação administrativa, mas com oração. É desconhecido dos outros mortais o prestígio que ele possa ter com as divindades das religiões canônicas ou com os ídolos dos cultos primevos da floresta, mas é duvidoso que este baste para deter o avanço do desmatamento à base de 20 mil km² somente este ano.
O que pode deter a devastação da Amazônia não é a bazófia presidencial em casa ou no exterior nem a súbita conversão de seu fiel escudeiro ecológico de guerrilheiro em presbítero. Quem tem de expulsar os madeireiros do Brasil não é Deus nem são os países dos quais já foram expulsos pelos crimes que praticaram lá e praticam aqui, com as bênçãos dos poderosos grupos políticos do Norte aos quais se associaram. A cobiça que ameaça nossa soberania sobre a madeira nobre, as pedras preciosas e a biodiversidade da Amazônia não é das Ongs que tentam comprá-la aos pedaços nem dos Estados sufocados pela própria irresponsabilidade de terem reduzido suas florestas autóctones a cinzas. Mas, sim, os interesses políticos de quem troca essa soberania por votos para aumentar a carga tributária e manter a "companheirada" no poder. A internacionalização da Amazônia não é uma balela de internet, mas uma realidade: a região está sendo espoliada pelo crime internacional, que a ocupa por obra e graça das tribos indígenas às quais o poder público cede irresponsavelmente terras além da conta, em nome de uma dívida que nunca será paga. Essa praga não será combatida com metáforas futebolísticas equivocadas, como aquela com a qual o presidente evocou a troca de Pelé machucado por Amarildo, incomparavelmente menos talentoso que o titular. Será com trabalho feito, e não com saliva e jeito.
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