JOSÉ NÊUMANNE PINTO
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Coluna de 26/6/2008
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A compostura já perdeu a eleição paulistana
Um de olho só no outro, Kassab e Alckmin não vêem Marta e o eleitor
Aparentemente, mas só mesmo na aparência, o apoio do ex-governador e dono do PMDB paulista Orestes Quércia ao prefeito Gilberto Kassab altera o quadro eleitoral paulistano decisivamente em favor do pretendente do DEM à própria sucessão. Mas, se pode ter sido um golpe de mestre, como muitos acreditam, também deverá trazer prejuízos inesperados, ao revelar a mentalidade oportunista, amoral, mesquinha e inescrupulosa que preside as decisões políticas, principalmente em períodos eleitorais, atualmente vigente no País todo. E, mesmo que tenha êxito nas urnas, não deve deixar de ser execrado, por contrariar a esperança geral de que a coerência não seja totalmente abandonada na política e na administração pública brasileiras. Na verdade, o lance em questão não pode sequer ser definido como pragmático, pois a experiência histórica mostra que nem sempre esse tipo de jogada leva à vitória final no jogo e, menos ainda, no campeonato das urnas.
Os inimigos jurados do PT em São Paulo comemoram a adesão de Quércia a Kassab porque seu principal trunfo – quatro minutos e meio diários no horário gratuito da campanha política no rádio e na televisão – se incorporará ao cacife do prefeito do DEM, e não, como se poderia esperar, ao da ex-prefeita petista Marta Suplicy. De fato, trata-se de uma vantagem considerável, até porque não é de todo errado contar esse tempo em dobro, pois o aliado vai tê-lo e a oponente o terá perdido. Nesta era do marketing político eleitoral tempo vale mais que ouro e uma aquisição dessas pode superar em impacto a de Eduardo Ramos para tirar o Corinthians do presidente do atoleiro neste ano em que o Palmeiras de seu principal adversário, o governador paulista José Serra, tem tudo para ser campeão hoje à noite, no Palestra Itália. A disponibilidade de tantos minutos pelo PMDB, além de ser uma prova do equívoco da regra de distribuição do tempo, pois ela não equivale à preferência do eleitorado por um partido que não passa hoje de apoio parlamentar preferencial dos grupos que de fato lutam pelo poder, também representa um risco. Afinal, dependendo do que o candidato tem a dizer ao eleitor e do que este gostaria de ouvir dele, excesso de discurso pode até ser arriscado.
Na disputa pela prefeitura do maior município do País, contudo, há outro elemento que concorre mais para a euforia do DEM paulistano e da parcela do PSDB sob o comando de Serra, que o apóia, que os áureos minutos nos meios eletrônicos de comunicação: o isolamento do ex-governador Geraldo Alckmin. Diz-se, com razão, que Alckmin foi emparedado pelo lance de enxadrista de Kassab. A questão é: e daí? De que adianta emparedar o ex-governador, se este já se mostrou obstinado, teimoso e incapaz de aprender com a própria experiência de dois anos atrás? Em 2006, Serra e Alckmin subiram ao ringue convencidos de que o presidente petista já estava na lona e quem ganhasse aquele assalto levaria o troféu da Presidência. Sabendo-se boxeadores dotados de chances equivalentes, ficaram de olho um no outro e se esqueceram de dar uma olhadela na platéia que os julgava. Finda a luta, o derrotado levou o troféu menor, mas bastante apreciável, do governo de São Paulo. E ao vencedor coube a duvidosa batatada de ser derrotado no segundo turno, quando poderia tê-lo sido logo no primeiro – e só não o foi por culpa da lambança de rivais aloprados. Que Hilary Clinton e Barak Obama repitam agora nos Estados Unidos o erro dos tucanos em 2006, tudo bem! Afinal, eles não têm obrigação de saber o que se passa aqui, nestes trópicos. O fato é que os dois começaram a disputar a Presidência da República e, envolvidos numa disputa fratricida das eleições primárias de seu Partido Democrata, agora correm o risco de esperar o prêmio de consolação do convite da posse do republicano John Mc Cain.
Mais difícil é entender como Alckmin continua teimoso a ponto de não entender que sua obsessão só favorece a adversária petista e que a exumação política de Mário Covas lhe será agora tão inútil como há dois anos. E Kassab não percebeu que, se Quércia, que não tinha força política na capital nem quando governava o Estado, pudesse eleger alguém, ele mesmo ou outrem de sua trupe disputaria o primeiro turno e, depois, apoiaria no segundo quem lhe conviesse. Desde que, como ele próprio disse, levou o Banco do Estado à falência para eleger seu pesado secretário de Segurança, o dono do PMDB não conseguiu assumir o comando inquestionável nem de Campinas, de cuja prefeitura saiu para o estrelato político nacional, do qual está exilado há muito tempo. E, se é improvável que o apoio de Quércia leve seu candidato à vitória, é bem mais possível que sua rejeição faça razoável estrago no cacife eleitoral deste.
Neste embate entre Quércia, morto político, e Covas, vivo na lembrança de poucos fiéis, pode ser que o cadáver deste seja inócuo. E a aparição do primeiro pode terminar funcionando como a evidência que faltava (se é que faltava!) de que todos os políticos brasileiros perderam, de vez, quaisquer escrúpulos, como o senador criado por Juca de Oliveira no teatro, com enorme sucesso. Ao que tudo indica, Marta, que se condenou ao ostracismo mercê do próprio cinismo do “relaxa e goza”, pode ressuscitar com a ajuda que lhe dão Alckmin, incapaz de raciocinar além da própria teimosia, e Kassab, impaciente por ainda não ter recebido uma senha para dançar no baile da posse de um dos que estão no topo das pesquisas.
Certo mesmo é que, além de Guilherme Afif Domingos, que teria alguma chance de levar o DEM paulista ao Senado em 2010, há outro perdedor prévio no pleito paulistano e, de resto, no ambiente político nacional: a boa e velha compostura, que tinham alguns republicanos antes de serem desmoralizados pelos mensaleiros dos dois lados.
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