CHARLES E MISLEINE
Os nomes “Charles e Misleine” estavam numa moto, num destes adesivos românticos comuns aos apaixonados. Existem muitos por aí. Pessoas que manifestam a felicidade dessa forma, pregando suas identidades amorosas em carros e motos.
A questão é que quando li “Charles e Misleine” um mundo de possibilidades se abriu. Quem seriam esses dois com nomes tão peculiares? Mais ainda, combinam tanto quanto seus nomes? Que espécie de amor transita neles? Há quanto tempo?
Primeiro, me veio a dimensão desses nomes. Charles é um pouco mais comum, mas Charles e Misleine, ou Charles da Misleine, já ganha outro tamanho.
São nomes distanciados do bom gosto da classe média, sempre detentora de verdades prontas, que acha nomes diferentes coisa de pobre. Que a cada crítica que faz aos nomes mais inventados das classes mais baixas está mesmo é tentando inibir, cortar a liberdade que as pessoas têm de colocar nomes em seus filhos. Está mesmo é impondo o seu padrão de beleza a quem não compartilha com esse padrão. Algo bem típico de certa elite brasileira e que se espalhou a quem nunca foi elite, mas acha que é.
Misleine devia parecer muito sonoro à mãe de Misleine. Charles devia ser nome de príncipe para a mãe de Charles. O fato é que Charles e Misleine se encontraram. E não poderia ser diferente, se os próprios nomes já foram feitos um para o outro, o destino apenas se encarregou de fazer o encontro dos dois.
Para além do nome, continuo imaginando quem são essas duas pessoas que combinam tanto no nome? Teriam filhos? Estão na cidade há muito tempo? Que tragédias ou alegrias enfrentaram? Devem fazer parte da grande maioria de brasileiros com vidas comuns, trabalham, se divertem, enfrentam as dificuldades, mas têm nomes feitos um para o outro, e isso os tira do caminho banal.
Seus nomes proporcionam aos dois força e renovação, seus nomes conseguem seguir muito bem a máxima dos casamentos, em que os dois se tornam uma só carne: Charlesmisleine, Misleinecharles.
Não há mais como separar, não há mais como distanciar esses nomes que se tornam perfeitos quando são um só. No adesivo que vi, ainda havia a conjunção “e”, paradoxalmente, separando os dois, colocando ali uma individualidade que os nomes não possuem.
Charles e Misleine devem estar por aí, pensando um no outro continuadamente, assim como passei horas pensando em seus nomes. Talvez tenham apelidos, ou nem gostem de serem chamados Charles e Misleine. Talvez briguem, se reconciliem. Talvez tenham defeitos graves e qualidades salvadoras. Coisas que seus nomes, infelizmente, não revelam.
O que sei é que Charles e Misleine gravaram seu amor num adesivo e colaram na motocicleta. Eu li, e daqui, do alto de minha imaginação criativa, fico divagando, acreditando ainda nas elucubrações do destino, acreditando ainda em alma gêmea, ou pelo menos em nomes gêmeos.
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