Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 110
(Próxima: 20/6/2011)


A lira, instrumento divino

A música primitiva era baseada em imitações dos sons de animais e do mundo físico com o intuito de tentar a comunicação com o mundo espiritual. Com o desenvolvimento de harmonias e instrumentos elaborados, a música entrou em processo de sacralização e se tornou uma referência fundamental para o conhecimento do universo. Como representante da ordem cósmica, a música foi inclusive associada ao simbolismo dos planetas e dos números, como a teoria de Pitágoras sobre a ‘ harmonia das esferas', com um extenso estudo sobre a consonância das notas produzidas pelos astros em seus movimentos regulares.

Pitágoras tocava para os discípulos uma lira de sete cordas. O filósofo considerava a música a ligação entre o cosmos e o homem. O Cosmos para ele era uma vasta razão harmônica que se constituía de razões menores, e seu conjunto formava a harmonia cósmica, a harmonia das esferas. A teoria da música cósmica foi descrita por Platão na obra ‘Timeu'. Platão acreditava que o os planetas criavam uma harmonia divina ao se moverem com diferentes velocidades em relação aos outros, tal como a altura musical se modificava quando as cordas vibravam em relações distintas.

A lira é um instrumento musical também ligado à mitologia, em particular ao mito do músico e poeta Orfeu, cuja música encantava até animais selvagens e parava o curso dos rios. Na expedição dos Argonautas, acalmou as ondas com música e salvou o navio, anulando o efeito do canto das Sereias. Ao voltar dessa aventura, casou com a ninfa  Eurídice. Aristeu tentou violá-la e, ao fugir, ela pisou em uma serpente e morreu após a picada. O inconformado Orfeu desceu ao Hades para pedir Eurídice de volta. Encantou o mundo ctônio, desde o barqueiro Caronte até os deuses que lá moravam. Os que sofriam castigos tiveram descanso temporário.

Orfeu aprendeu sua arte com Apolo, de quem era filho junto com a Musa Calíope. Apolo dirigia o coro das Musas e a dança das Cárites no Olimpo, distraindo os deuses com sua lira. Algumas lendas dizem que Hermes inventou a lira e a flauta, mas Apolo tocou esses instrumentos com perfeição, sendo considerado, entre variados atributos, o deus da música.

Uma versão maior da lira, chamada de cítara, teria sido feita por Hermes para Apolo. Hermes foi fruto de um dos amores de Zeus: Maia, filha do Titã Atlas. A esposa de Zeus fez com que Maia se escondesse e ela deu à luz em uma caverna no Monte Cilene. Recém-nascido, Hermes deixou a mãe e saiu em busca de aventura. Foi ao monte onde pastava o gado do rei Admeto, guardado pelo irmão Apolo, e o roubou. Ofereceu dois animais aos deuses e, das tripas secas e esticadas, fez as cordas com que prendeu no casco de uma tartaruga, criando a lira.

Na Arte, a lira é atributo de Érato, musa da poesia lírica, e também da musa da dança e do som, Terpsícore. Em algumas tradições, a música está sempre associada à origem da vida, principalmente na Índia, onde o som é considerado vibração primordial da energia divina. É da Índia que vem a lenda da flauta de Krishna, que fez o mundo começar a existir.

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