"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 09/09/2009
(próxima coluna: 26/9/2009)


O PAIOL HUMANO

O humano é lugar de preenchimentos. Paiol onde se depositam esperanças, defeitos, lutas, perdas, falhas, amor e todas as outras mercadorias que nos fazem humanos.

Alguns se abarrotam de Deus, em suas variadas formas. Enchem-se tanto de fé que em nada mais conseguem acreditar. Vão às igrejas como quem vai ao supermercado comprar comida congelada, quase pronta, quase sem sabor. E cospem verdades esquentadas no micro-ondas da Bíblia, desenxergam as camadas, as cavernas que cada ser possui, ameaçam e ameaçam-se com infernos e céus vindouros. Soubessem tanto da vida quanto sabem do futuro e daquilo que Deus quer, vida melhor teríamos.

Outros se preenchem de amor. Amam tanto que se esquecem de si mesmos, entregues às vontades alheias. Marionetes do sentimento, e sofrem porque não conseguem cortar os fios. E sabem que se os fios forem cortados, os movimentos, a vida é também cortada. E nem sonham com a solidão, nem sonham com o andar com as próprias pernas, pois são preenchidos de amor e isso lhes retira o caminhar.

Há humanos que se enchem de prazer. Não admitem dor, não admitem qualquer espaço vazio em seu paiol que não seja prazer. E comem, e bebem, e correm até a exaustão. E fornicam sob as sombras do medo de que um dia o corpo não lhes dê mais prazer, de que um dia essa máquina de carne, tão cultuada e exercitada, comece a falhar, a pedir paradas mais longas. Então, esses preenchidos de prazer esticam-se, esfaqueiam-se nas cirurgias para que a máquina continue nova, respondendo a estímulos, para que o prazer seja sempre o mesmo daquela juventude mítica, quase sempre perdida há décadas.

Não é possível esquecer os que se enchem de poder. Não somente dinheiro, mas qualquer poder, quanto mais insignificante, mais eles se abarrotam: o policial, o servidor público detentor das liberações, os advogados, médicos, políticos, juízes, comentaristas em geral, gente que mexe diretamente com a vida dos outros, como gostam do poder, do mandar, do abotoar-se em ternos bem passados e gritarem suas verdades, seus desmandos. Sempre os imagino incapazes de dobrarem-se, de visionarem os próprios umbigos. Para muitos, falta o nobre exercício da humildade e do silêncio.

Mas nem só de desventuras preenchem-se os humanos, há cantos também para a solidariedade, há escaninhos para os gestos de bondade, de gratidão. Há ainda grandes espaços para a alegria, os encantamentos diante de um nascimento, de um banho de rio, dos almoços de domingo. Nem tudo são escuros nos humanos, há os valentes, os esperançosos, os pacificadores, há aqueles que perdoam a si mesmos e aos próximos.

O humano é infinito, dentro de cada um dessa espécie vagueia um universo de contradições, de certezas, de arrebatamentos constantes, seja pela paixão, seja pelo medo, até mesmo pela indiferença diante desse conjunto de milagres que é o viver.

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