JOSÉ NÊUMANNE PINTO
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Coluna de 4/9/2008
(Próxima coluna 11/9)
Os naufrágios da autoridade inepta
A responsabilidade por naufrágios como o do Comandante Sales é do proprietário, dos tripulantes, dos passageiros e, sobretudo, de quem não fiscaliza como deveria
É claro que a maior responsabilidade pelos cadáveres que, uma vez mais, se empilharam no fundo do Rio Solimões, no Amazonas, nas primeiras horas da primeira manhã de domingo de maio, cabe ao proprietário do barco que afundou, o Comandante Sales, Francisco Alves de Sales. Seu desmedido amor ao lucro fácil, a ganância que o incapacitou a perceber a tragédia anunciada com um barco lançado à água sem uma tripulação competente para fazê-lo navegar e com passageiros demais, o que não o permitiram flutuar, tudo isso é lamentável, execrável, revoltante até. Grande parte da culpa também deve ser atribuída aos tripulantes, incapazes de tudo, desde manobrar a embarcação até perceber o alcance de sua irresponsabilidade em aceitar uma tarefa para a qual não estavam habilitados. Pode-se argumentar que eram ignorantes e, ao contrário do patrão, não tinham suficiente noção do risco a que submetiam os passageiros, que dificilmente teriam como escapar de um naufrágio acidental.
Mas nesta vez, como, de resto, em praticamente todas as outras ocasiões em que esse tipo de tragédia ocorreu nas águas caudalosas da bacia que tem o maior volume de água fluvial do planeta, falar de acidente é se acumpliciar com o genocídio, que vem sendo praticado sistematicamente naquela região abandonada. Em defesa dos tripulantes é possível dizer que afundaram junto com os passageiros e, por isso, alguns deles também pereceram. A justificativa é vã, assemelhada à de quem perdoasse o voluntarismo do suicida ou a possível alienação do tolo que se esconde atrás da própria escassez de inteligência, mas por mera esperteza.
Culpa, embora não tão grande, também deve ser imputada a todos quantos se aventuraram a navegar num barco que evidentemente não tinha capacidade para transportar tanta gente. Os idiotas da objetividade, que, com razão, Nelson Rodrigues desprezava, dirão que é permanente a navegação de barcos com carga acima do permitido e que na maioria das vezes estes chegam íntegros ao porto final e com seus passageiros ilesos. Mas as mortes nos desastres freqüentes denotam o cinismo deste argumento.
Mais cínico ainda, meus amigos, meus inimigos, como reza o verso de Bandeira, é vir a Capitania dos Portos reclamar do dono da embarcação, por não ter comparecido para regularizar a situação, como prometera. Neste crime serial, como em outros anteriores, a autoridade responsável pela fiscalização de tudo quanto flutua nas águas dos rios da Bacia Amazônica é cúmplice preferencial do maior responsável. Barcos como o Comandante Sales naufragam por causa da ganância de seus proprietários, da irresponsabilidade de seus tripulantes, da leviandade dos passageiros e, muito também, pela inépcia incompetente do Estdo indiferente e incapaz.
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