"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/12/2009
(próxima coluna: 26/1/2010)

A PRIMEIRA CRÔNICA DE NATAL

Há quase seis anos escrevo no meu blog Casa de Paragens. E ano passado (2008) foi a primeira vez que coincidiu de minha crônica sair na véspera de Natal. Esta coincidência me lançou um desafio: fazer uma crônica de Natal sem cair nos mesmos clichês de sempre, tais como lançar um olhar crítico sobre a banalização e comercialização do Natal ou resgatar as velhas e manjadas esperanças de renovação que uma data de aniversário traz ou, ainda, traçar aqui as minhas reminiscências deste dia especial. Enfim, como fazer uma crônica de Natal sem desperdiçar o tempo dos leitores e o meu próprio tempo?

Resolvi, então, lançar mão do recurso principal de todo cronista: a observação. Andar pela cidade. De dia, o comércio domina a cena. Os clichês natalinos também. Talvez por isso fiquei meia hora observando um catador de rua e seus cinco cachorros. Parecia um presépio vivo. Perdi meu almoço, mas tudo bem, havia visto no centro da cidade a velha repetição da cena natalina da exclusão de Maria e José. No lugar de uma estrebaria, a marquise de um banco. No lugar do salvador do mundo, apenas um homem, seu instrumento de trabalho e seus cães. Fiéis, tão fiéis que a medida que o tempo passa mais se parecem com o homem, ou vice-versa, porque nesta relação não cabem superioridades humanas.

Apesar disso, ainda não seria essa a crônica ideal de Natal, ainda me pareceu um velho clichê e a paciência do leitor já teria ido para o brejo. Andei pela cidade à noite. As mesmas luzes made in China. A mesma distribuição luminosa de falsa beleza. Nenhum toque pessoal, nenhuma intimidade poética, apenas as velhas e manjadas moscas luminosas nas árvores, nas soleiras, nos postes. Debaixo de um anjo falso olhei a noite de minha cidade às vésperas do Natal. A cidade pouco me disse, neurótica que estava com as festividades, mas o rio, mesmo esfaqueado pela poluição, falou-me em esperança, em sempre nascer limpo, e morrer limpo, pois que o mar o recebe como um filho inocente. O rio que atravessa minha cidade, o frágil rio depredado tinha me dado um assunto bom para uma crônica de Natal? A possibilidade de comparar a vida com o fluxo de um rio, de que apesar das impurezas, se nos mantivermos firmes chegaremos ao mar? Num primeiro momento gostei da possibilidade, mas depois vi que também aqui cairia no mesmo assunto batido da renovação.

Vasculhei algumas igrejas, ouvi alguns discursos, ouvi também os mesmos votos de sempre. E o Natal chegando, e o meu tempo para escrever a primeira crônica de Natal se esgotando, pois nada do que eu tinha observado era minimamente novo, nada do que eu pudesse dizer soaria como algo que tivesse sido pouco usado. Pensei em até mesmo não escrever sobre o Natal, escrever sobre a vida, a esperança, as enchentes, qualquer coisa que evitasse recorrer às frases prontas de sempre.

Então decidi: vou expor ao meu leitor um pouco mais das minhas andanças, observações e dúvidas de cronista, expor aquilo que tenho de mais verdadeiro. Foi o que eu consegui fazer, essa é a minha metáfora para dizer Feliz Natal e próspero Ano-novo.

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