Solange Firmino

Professora do Ensino Fundamental e de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio. Escritora, pesquisadora. Estudou Cultura Greco-romana na UERJ com Junito Brandão, um dos maiores especialistas do país em Mitologia.

Mito em contexto - Coluna 114
(Próxima: 20/11/2011)


O Saturno Latino

Saturno foi um deus adorado entre os latinos com célebres festas, denominadas Saturnalia ou Saturnais. Saturnus era um antigo deus itálico, anterior à chegada dos Indo-Europeus, que competiu com Líber como divindade da vegetação. Líber acabou se fundindo com o deus Bacchus, de procedência grega, e Saturnus continuou como o deus da semeadura e da vegetação. Etimologicamente, Saturnus provém do adjetivo 'satur', que significa cheio, farto, nutrido, e este provém do verbo saturare, que significa saciar, fartar, saturar, de acordo com sua função de deus da abundância.

Conforme o mito, depois que Zeus destronou Crono, este se refugiou na Ausônia, nome poético da Itália, onde recebeu o nome de Saturno. A Itália teve sua idade de ouro após a chegada de Saturno, quando a terra produzia tudo abundantemente, sem trabalho. O poeta latino Públio Ovídio Nasão narrou em suas Metamorfoses que reinavam a paz, a concórdia, a fraternidade, a igualdade e a liberdade, fazendo de Saturno o herói civilizador, aquele que ensinou a cultura da terra, da paz e da justiça.

Outro grande poeta latino, Públio Vergílio Marão, sonhou com o retorno da paz e da justiça no século de Augusto: Iam redit et Virgo, redeunt Saturnia regna ; "Eis que a Justiça está de volta; retorna o reino de Saturno". Para comemorar o antigo estado paradisíaco e obter boas graças e a proteção do deus sobre a vegetação, celebravam-se anualmente as Saturnalia. Iniciavam-se ao término de um ano e início do outro. No início duravam um só dia, depois dois e, em seguida, três. Augusto introduziu à época imperial um quarto dia, Calígula introduziu o quinto dia.

Por ocasião das Saturnalia realizavam-se também as Paganalia e as Compitalia. As Paganalia eram festas rurais e as Compitalia tinham por cenário as encruzilhadas romanas, e ambas visavam à fertilidade dos campos e animais. Estas festas eram bem parecidas com os Khýtroi das Antestérias gregas, que estavam ligadas ao culto dos mortos, afinal, eram os mortos quem comandavam as sementes guardadas no seio da terra.

As Saturnalia começavam em Roma, pela manhã, após se retirar a faixa de lã que cobria o pedestal da estátua de Saturno durante todo o ano. Mais tarde se realizava um banquete público, cujo término era marcado pelo grito: Viva as Saturnais! Eliminavam-se interditos de toda ordem. Senado, Tribunais, Escolas, tudo parava para que reinassem a alegria e a liberdade. Os escravos ficavam temporariamente em liberdade total, sendo inclusive servidos pelos senhores.

Alguns dizem que as Saturnais, com toda a sua liberação, podem ser interpretadas como a supressão do deus, do pai e do chefe, assim como Crono destronou o pai Urano e este foi destronado pelo filho Zeus. Durante o período das Saturnais, as pessoas, principalmente os escravos, faziam com que seus senhores recebessem uma simbólica retribuição do que haviam feito a seus pais, lembrando do ato de Crono em relação a Urano e de Zeus em relação a Crono. Nas Saturnalia era eleito a cada ano um Saturnalicius Princeps, o rei das Saturnais, assim como o nosso Rei Momo. Houve um tempo que que esse rei presidia os banquetes e as festas, sendo sacrificado a Saturno no final.

Arquivos anteriores:
01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113

« Voltar