JOSÉ NÊUMANNE PINTO

Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida  e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com

Coluna de 9/10/2008
(Próxima coluna 16/10)

Lula não é dono dos votos dos cidadãos

            O presidente cantou a vitória de Marta no primeiro turno em São Paulo antes de serem contados os votos. Erro semelhante já tinha sido cometido por Fernando Henrique e Paulo Maluf

            O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha razões de sobra para estar muito eufórico anteontem em São Bernardo do Campo: afinal, desde que assumiu o patronato explícito da candidatura de seu correligionário e sucessor na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, além de ex-ministro do Trabalho e da Previdência Luiz Marinho, este saiu de índices acanhados de preferência popular para atingir o topo das pesquisas. O favoritismo quase levou seu pupilo à vitória no primeiro turno. Mas, se este não fizer uma bobagem muito grande nas três semanas que ainda faltam transcorrer para a realização do turno final, dificilmente perderá para um candidato antes tido como imbatível, o deputado Orlando Morando (PSDB), afilhado político do popular prefeito Dr. Dib (PSB). Não é, de fato, feito de pouca monta e é preciso reconhecer com sensatez que Sua Excelência tinha motivos para comemorar. Só não precisava exagerar: no arrebatamento triunfalista da boca de urna, o chefe do governo comemorou a chegada de sua favorita Marta Suplicy na frente de todos os adversários na luta pela mais disputada das prefeituras, a de São Paulo. Contados os votos, verificou-se que um adversário da ex-prefeita a havia superado: Gilberto Kassab (DEM).
             É possível que nem mesmo o prefeito acreditasse na possibilidade de chegar em primeiro lugar tendo começado a disputa correndo atrás de dois fortes oponentes: além da própria Marta, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que, entre outros problemas que lhe trouxe, expôs a fratura de uma aliança histórica e impediu o governador José Serra de apoiá-lo explicitamente, como o próprio Lula fez com sua preferida. No entanto, somente a reconhecida capacidade que tem o presidente da República de não ser atingido pelos dardos que atira contra si próprio impedirá de esta precipitação verbal ser lembrada como muito similar à decisão infeliz de Fernando Henrique se deixar fotografar sentado na cadeira do vencedor Jânio Quadros, que a desinfetou só para caracterizar ainda mais a inoportunidade do gesto. Só que Fernando Henrique não sabia o que fazia. E Lula sabia o que dizia.
             O que talvez ele não saiba é que esse comportamento arrogante de contar com o ovo nas entranhas da galinha expressa de forma cabal um dos mais antigos e desprezíveis vícios que marcam a política brasileira desde o domínio dos coronéis da guarda nacional: a confusão entre prestígio e posse. Muitos chefes políticos já cometeram esse erro básico de se imaginar donatários da vontade do eleitor. Paulo Maluf (PP) cometeu engano similar há 20 anos quando era dado como vencedor virtual da eleição municipal e foi derrotado por Luiza Erundina (à época no PT).
             Numa democracia, o povo não tem dono e não há mais lugar para voto de cabresto no País.

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