COLUNA DE THATY  MARCONDES 

Atual Conselheira Municipal de Literatura (segunda gestão). Uma das idealizadoras do projeto POESIA DE PONTA (março/desde 2007). Selecionada através de concursos para participar de várias antologias, desde 1983. 1ª colocada no Concurso de Crônicas realizado pela ALCG em 2008. Homenageada com o Prêmio Anita Philipowski de 2009.

1ª quinzena de setembro de 2010 - Coluna 137
(Próxima coluna: 3/10/2010)

Balada Triste

             Acho que acabo de descobrir uma nova doença da área “psi” (psicológica ou psiquiátrica): a “síndrome do mala ébrio”, ou, falando de forma mais popular ou populesca, “mania de ser bêbado chato”. Tratamento para o paciente? Nem pensar, pois ele se recusa terminantemente, não enxerga seu vício, não aceita as derrotas da vida, não se permite sair do poço em que se afoga diuturnamente, não agarra a mão que se estende em seu socorro.

             É aquele cara que você conhece há um tempão, boa praça, talentoso, inteligente, capaz, mas que tem uma preguiça danada de trabalhar, de colocar em ação tudo que sua fértil mente produz. Pois é esse mesmo, que com o tempo, vai desanimando, discursa colocando nas costas alheias e do mundo tudo que de mal lhe acontece, sem, claro, olhar para o próprio rabo e ver que é ele quem está sentado à beira do caminho, amarrado a uma pedra de queixumes e desculpas esfarrapadas. A ex-mulher quer colocá-lo na cadeia por não pagar pensão; os filhos não querem nem ouvir falar (viajam sempre, em cada dia de visita); os amigos estão sempre ocupados; as portas se fecham; as janelas lacradas o deixam no escuro, e ele, cada vez mais perdido, sem saber se dia ou noite, em sua ridícula existência.

            O seu dia começa no meio da manhã, que é pra ter a desculpa do aperitivo antes do almoço “pra abrir o apetite”. E o rosário de justificativas vai sendo rezado ao longo do dia até o ápice noturno, quando todos fogem da sua presença incômoda, errônea, mala sem alça mesmo.

            E chega um momento em que o álcool no cérebro lhe dá ilusões de poder: acha que pode incomodar, dizer o que lhe vier à cachola, agredir verbalmente, provocar – como se a provocação fosse inteligente, fruto de algum rompante de genialidade tosca. Logo após vem a folga total: não tem mais papas na língua e coloca-se a desafiar a tudo e a todos. Só falta subir na mesa e fazer discurso – talvez, se lhe déssemos trela, isso até ocorresse. Mas... Um corte na hora certa, avisando a criatura que ele está pra lá de inconveniente. Pronto: somos tachados de burros, medíocres, precisamos de um psicólogo por não querer dar asas ao papo periférico sobre sexo e outras intimidades na frente de estranhos – e nós é que precisamos de tratamento?!?

            Então ele se toca e bate em retirada exultando ofensas. Não sem antes pedir mais um copo, a saideira.

            No máximo 15 minutos passados e ele volta à carga, como se nada tivesse acontecido. Mais dois copos, duas saideiras, e a língua rançosa o transforma num ser ridículo, embasbacado em suas cagadas homéricas e fenomenais: conta até que dormiu com quem nunca lhe deu sequer um olhar de desejo. E tece comentários sobre sua pobre performance: decepção! Pronto: agora, além de bêbado, chato e inconveniente, ele é o fodão!

            Ao perceber que ninguém está interessado, o macho pra cacete retira-se quase despencando sobre os próprios pés. Os olhos se fechando, o corpo cambaleando e ele vai para casa a pé, delirando no caminho suas mentiras de amanhã. Adormece em alguma escada de prédio público ou privado, atrapalhando a entrada no horário comercial.

            Alguém o sacode e ele percebe em meio às ofensas que desfere que mais um dia se anuncia. Levanta-se e aguarda a hora certa de reiniciar sua reza ébria, afogando mais um gole de vida em cada copo dessa balada triste.


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