OS ENRAIZADOS
Venho de uma família de enraizados. Meu pai ainda mora no mesmo sítio em que nasceu, pois ele é do tempo em que se nascia em casa. Minha mãe apenas saiu de seu sítio para se casar com meu pai. Detalhe: as localidades dos dois são vizinhas, o que não dá muita força à mudança de minha mãe. Os irmãos de meu pai vieram para a cidade e fixaram-se todos no mesmo bairro, na zona Sul de Joinville. Todos estão por ali ainda, no mínimo uns quarenta anos. Os irmãos de minha mãe fizeram um percurso muito semelhante. Onde fixaram moradia fixaram por tempo indeterminado.
Não há nos Sousas de minha mãe (com exceção de uma tia que foi muito andeja na juventude, mas agora está bem firme em terras catarinas), nem nos Cunhas de meu pai a chama andante das pessoas que migram, daqueles que largam tudo e se mudam para novos lugares, novos sonhos, e, se acaso não der certo, voltam e começam tudo de novo. O que sei das andanças de minha família são os pequenos movimentos dos meus avós paternos e maternos: da região de Itajaí para Araquari e Guaramirim. Meus avós maternos ainda vieram para Joinville quando aposentados, os paternos enraizaram-se definitivamente nos solos de Araquari.
Obviamente, esse espírito enraizado e enraizador de minha família deixou marcas profundas em mim. Sou um sujeito pouco afeito à mudanças, mas ao mesmo tempo sempre desejoso de mudar, de largar certas coisas e partir. Tanto que muitas crônicas que eu publiquei aqui tinham como tema isso: a vontade de partir versus o enraizamento profundo ao lugar, aos seus. Um dos meus temas prediletos é o do exílio, mas não o exílio clássico, aquele em que o sujeito é expulso de sua terra, e sim uma espécie de exílio invertido: o sujeito não consegue sair de seu ambiente, não se desenraíza, mas também não faz parte do lugar e por isso sofre, como se fosse uma raiz alheia, diversa das demais, mas mesmo assim, raiz. Ou como se seu corpo fosse uma árvore, e sua alma estivesse sempre naquela folha que se desprendeu e foi carregada pelo vento, pelas águas. Pequena folha que nunca mais volta, que nunca mais será árvore, apenas folha, mas nesse sacrifício está a liberdade sonhada.
Aqui me vem aquela ideia de que a grama do vizinho é sempre mais verde, pois acredito que se eu fosse de uma família nômade, gostaria de me assentar, como sou de família que nunca cogitou para si uma grande mudança, a ideia do horizonte a ser desbravado sempre me fascinou. Podem me perguntar se alguma coisa me impediu a viagem, a saída desse espaço em que a família fixou suas raízes, direi que não, mas essas coisas geralmente não são assim tão racionais, tão palpáveis, tratam-se de pequenas relações, pequenos círculos que adentramos e permanecemos, às vezes felizes, às vezes não, mas sempre determinantes do nosso destino. Rompê-los é difícil e nem sempre necessário. Cabe a cada um saber onde lhe dói o calo e a vida e a partir disso fazer as mudanças necessárias.
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