Coluna de 26/3/2010
(próxima coluna: 9/4/2010)
ENCONTROS/DESENCONTROS
O ENCONTRO
Desmergulhou. Riu da ideia. Matar-se ao meio-dia não valia a pena. Mergulha mais um pouco. Mar bom. Mar fêmea igual a ela.
Salva-vidas? Inferno de gente farofada nesse inferno de praia. O que aquela mulher tá fazendo lá? Mulher se afogando.
Ela chega na praia e ainda vê o burburinho: “Mar perigoso, tem gente que brinca com o mar, eu tinha um primo que nadava que era uma beleza.” Se afasta das vozes, caminha molhada, ri mais um pouco a ponto de lhe apontarem, de virarem a cabeça para ver a mulher louca rindo. Não liga, há meia hora era quase uma suicidada, agora viva, salgada como devem ser os vivos. Como se essa profissão fosse grande coisa, inferno, por que me meti nisso, e agora? Vou sair como? Vou dar uma volta, vou lá naquele canto das pedras dar uns esporros nuns pirralhos para aliviar a tensão. Inferno.
Ela resolve nadar mais um pouco, dessa vez perto das pedras, ali as águas parecem mais carinhosas, um carinho agressivo que se dá entre água e pedra, é arriscado, sabe, mas está viva, está lotada de desejo, porque não ir um pouco onde o amor se metaforiza perfeitamente, nunca teve amor de homem inteiro, sempre pela metade, sempre cheios de talvez. E nada, braçadas largas, intempestiva. O sol gadunha a tarde de domingo.
O DESENCONTRO
O cinzeiro voa e se espatifa na porta. Arnaldo avança e bate na mulher. O que parecia ser libertação algemou os dois às brigas, ao filho, à impossibilidade de saírem daquilo. Ela se defende, joelha o meio das pernas dele. Ri. “Tu não é homem, tu é igual os outros.” No quarto ao lado, Kauan anestesia-se na TV. “Pai e mãe tão brincando de Power Rangers de novo.”
Ela dorme com o filho, antes pede para o menino contar uma história. Arnaldo, insone, encostado na porta do quarto do filho, vê a mulher, onde a perdeu? Tirou-a de dentro do mar e a colocou na sua vida. Durante algum tempo, foi solar, azul mesmo, combinavam bem, enchiam-se de alegria e foram morar juntos. Algo se rompeu. O nascimento do filho, as ausências dela.
Ela acorda, vê Arnaldo encostado no guarda-roupa. Fecham a porta do quarto do filho com cuidado, e sem cuidado vão se despindo pelo apartamento, magoados, os hematomas visíveis.
Ela sabe que Arnaldo sempre será um talvez, mas sabe também que homem nenhum será mais do que isso. Arnaldo sabe também que o inferno é a parte de dentro e de fora de sua vida, que se há algum rescaldo de sossego é quando ele e ela, seu vício, silenciam-se no amor feito dolorosamente nas madrugadas. Kauan dorme. Arnaldo e ela dormem. Entre os três, fresta nenhuma ilumina o futuro.
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