JOSÉ NÊUMANNE PINTO
Jornalista, editorialista do Jornal da Tarde, comentarista da Rádio Jovem Pan e do SBT, poeta e escritor com diversos livros publicados, entre eles: Solos do silêncio – poesia reunida e O silêncio do delator, agraciado com o Prêmio "Senador José Ermírio de Moraes", da ABL. Leia novo texto de Ronaldo Cagiano na fortuna crítica do autor e conheça a poesia do colunista, cujo CD agora tem opção de download. Site: http://www.neumanne.com
Coluna de 19/3/2009
(Próxima coluna 26/3)
O Picapau levou sua Picape pro céu
Elogio fúnebre a Walter Silva
As duas maiores frustrações de minha vida foram não ter visto Mané Garrincha jogar e não ter estado em São Paulo nos anos 60 do século 20 para fazer parte das platéias da TV Record e acompanhar os festivais de Música Popular Brasileira e as gravações do Fino da Bossa e de Esta noite se improvisa. Naquele tempo, naquele palco, foram lançados para o estrelato Elis Regina, a maior cantora brasileira de todos os tempos, e uma genial geração de compositores - páreo para os sambistas cariocas (nem todos) dos anos 30. A precariedade do cinema nacional não permitiu que meu masoquismo me desse uma idéia visual das jogadas mirabolantes com que o ponteiro direito do Botafogo demolia o sistema defensivo de meu Flamengo. Mas o convívio com Walter Silva na redação da Folha de S. Paulo, nos camarins do mesmo palco da Record, só que então não mais na Consolação, mas na Augusta, e em sua casa me propiciou o privilégio de reviver com emoção e graça os anos de ouro em que desembarcaram no luminoso planeta dos rouxinóis Geraldo Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso, Nara Leão, Edu Lobo, Roberto Carlos e Milton Nascimento. A voz grave e bonita do apresentador do Picape do Picapau me trazia de volta cada detalhe daquela constelação, que acompanhava de uma poltrona de televizinho em Campina Grande, na Paraíba. Com Walter aprendi a amar São Paulo, que não era o túmulo do samba do poetinha Vinicius nem um lugar ermo por onde a bossa nova não havia passado - ensinava ele. Percebo que até hoje identifico na Mooca, bairro onde ele nasceu, o espírito paulistano, muito mais que no neon dos luminosos da Paulista e do Anhangabaú. Com Walter aprendi que, embora continue sertanejo, paraibano e carioca (Flamengo e Mangueira), também sou paulistano, ou seja, cidadão do mundo. Walter era tudo o que se pretende negar que um paulistano possa ser: amoroso, afetuoso, camarada, solidário, gregário, amigo de verdade. Custa-me compreender que não mais receberei em 25 de janeiro sua homenagem poética à cidade onde nasceu, sempre viveu, foi feliz, padeceu e morreu e em cujo solo agora está sepultado. Vou sentir falta de seus e-mails, do orgulho que ele tinha da família, da generosidade com que dedicou a vida às paixões que mantinham seu coração batendo: a boa música, o Corinthians, o grupo amplo e eclético, mas seleto, de amigos, um churrasco para beber chope, comer carne e bater papo sobre o passado, o presente e a esperança. Elis Regina, Plínio Marcos, Arley Pereira e JB Lemos agora têm sua boa companhia nas farras celestiais
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