"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/6/2010
(próxima coluna: 26/6/2010)


Terremoto Diário

                      As Mãos denunciam a velhice. Se pelo menos parassem de tremer. Não tão velha assim. O que lhe acaba são estas mãos. Foram bonitas, lisas. Agora tremem, tremem sem parar. Não se lembra bem quando começaram a tremer. Era manhã, disso tem certeza. Durante o café, a xícara cheia, não conseguiu segurar. Não entendeu muito bem, pensou em procurar um médico, mas depois esqueceu. A partir daquele dia os tremores ficaram cada vez mais constantes. Ninguém soube diagnosticar direito. Parkinson não era. Síndrome rara, disse o médico, precisamos de mais estudos. Desde então espera, mas dos doutores obteve somente o silêncio.
                       Olha-se no espelho. Nariz rapina. Boca crespa. Olhos fundos: se visse em outra não iria gostar. Tantos anos se passaram que perdeu conta. Contou tempo alguma vez? Não. Jovem, encaminhava-se inteira sobre todos. O tremer vinha dos homens que a cortejavam, que balbuciavam elogios. Via também os lábios das outras mulheres tremerem de inveja. Contorciam-se diante dela, que agora treme e inveja as outras velhas firmes.
                      Senta-se na varanda. Sol lá fora. Crianças brincam. Chegam perto: porque tua mão treme? Não sabe resposta. Esconde nos bolsos. A vovó tá doente, por isso treme. Parece mão de bruxa. Ouve a sentença de uma das crianças. Ri por fora. Faz um movimento de garra com as mãos. Os meninos saem correndo, voltam a brincar. Por dentro: voz aguda de criança. Parece mão de bruxa, mão de bruxa, mão de bruxa. Dói muito. Chora. Mão de bruxa. Tenta segurar as mãos. Mão de bruxa. Com dificuldade entra na casa. Tremendo, limpa lágrimas, na verdade espalha lágrimas sobre o encavado da cara. Suja cara de sal. Chora mais do que pode conter. Mão de bruxa. Não tão velha assim.
                      Encosta-se na parede. Toda a cozinha treme. Mão de bruxa. Azulejos descolam-se. O piso solta-se. O teto começa a ruir. Quadros caem. Armários tombam. Tudo treme. Mão de Bruxa. As paredes internas da casa sucumbem. Não pára de tremer. Todo o corpo estremece. Um coro de crianças grita dentro de suas orelhas: mão de bruxa, mão de bruxa. Telhas voam, caibros esboroam-se. Mundo treme. Ela quer parar, não consegue mais. A casa implode.
                      Debaixo dos escombros continua tremendo. Não grita socorro. Não ouve sirenes, não se dá conta do desespero da família. Treme apenas. Horas passam. Deitada sob os entulhos da casa. Milagre! Gritam, milagre estar viva. Sai andando. Nada aconteceu. Como pode, meu Deus? Agasalham-na. Hospital, observação. Milagre. Sempre esta palavra espúria saindo entredentes dos conhecidos. A casa desmoronou, ninguém viu nada, ninguém sabe como foi isso. Ela viu. Ela sabe. Transferiu sua tremedeira para as paredes. Enfraqueceu a casa com sua fraqueza. Queria que o mundo sentisse o seu terremoto diário.
                      Observa as mãos de bruxa: enfaixadas. Os curativos começam a tremer.

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