"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/2010
(próxima coluna: 9/7/2010)


POETA QUASE VALORIZADO


Zeca Baleiro, numa de suas melhores canções, ironiza a amada por ela só pensar em grana: “você só pensa em grana / meu amor! / você só quer saber / quanto custou a minha roupa [...] você só quer saber / quando que eu vou / trocar meu carro novo / por um novo carro novo / [...] você rasga os poemas / que eu te dou / mas nunca vi você / rasgar dinheiro” e termina a canção com versos ainda mais irônicos, quase aterradores: “... enquanto você ri no seu conforto / enquanto você me fala entre dentes / poeta bom, meu bem, poeta morto.”
O fato é que há um mito, ou uma dessas verdades populares que confirma a “verdade” dita por essa mulher na letra de Zeca Baleiro: a morte dá uma boa valorizada no poeta. Talvez isso tenha advindo do romantismo, onde poetas morriam muito jovens, era quase uma condição essencial para se tornar um: Álvares de Azevedo, Castro Alves, Gonçalves Dias são exemplos dos que cumpriram bem essa espécie de mandamento do romantismo.
No século 20, também pensando no caso brasileiro e ficando apenas nos nomes mais conhecidos, essa verdade não foi cumprida já que escritores como Drummond, Cabral, Vinicius, Quintana foram bem longevos. Outros que permanecem vivos e atuantes são Ferreira Gullar, Adélia Prado, Manoel de Barros, o último está beirando um século de vida. Enfim, a regra de morrer jovem não foi mantida, mas a ideia de que a morte valoriza a obra permanece firme ainda. É como se a percepção trágica de que o poeta não escreverá mais faça com que a mídia, e consequentemente, o público olhe com mais atenção para a obra produzida, até com uma certa condolência, parece que ler um poeta recém morto é homenageá-lo, pedir-lhe desculpas por não tê-lo lido enquanto estava vivo.
Digo isso, porque na bela manhã do domingo passado, eis que quase dou uma valorizada na minha obra, caindo de moto em plena BR-101. Por sorte, nada me aconteceu além dos ralões convencionais. Nunca tive uma queda em velocidade tão alta, o que me fez pronunciar nos segundos em que caía um “agora morri”, mas devo confessar que não deu tempo para pensar no quanto meus escritos valorizariam.
Quando tudo parou, percebi que estava inteiro, levantei e vi que a queda não passou de um susto, ou nesses casos, o bem mais poético, correto e famoso “cagaço”. O pior é que eu estava indo para uma festa. Tem coisa pior do que em vez de chegar o convidado, chega a notícia trágica de um acidente? Quem já passou por isso, sabe o tamanho do buraco que se abre no chão, e que, muitas vezes, jamais é fechado novamente.
Quanto à minha mais recente queda de moto, não foi o caso, ainda, de rever minha vida. No entanto, esses momentos em que nossa fragilidade física nos atropela, faz com que a gente respire mais fundo, pense algumas coisas e se antene: morrer não tem graça nenhuma, nem sequer para valorizar a obra.

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