"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.
Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 26/9/2010
(próxima coluna: 9/10/2010)


MARIA DA ESPERANÇA

Maria da Esperança arruma o cílio postiço. Essa é a última vez, se não der certo, vai ser Maria Do Nunca Mais. Costureira e sozinha, trabalha numa fabriqueta de fundo de quintal.. Elza, a amiga, logo vem pegá-la. Vão no baile do Jordão. Hoje tem a Banda Só Sentimento.

Maria da Esperança nem sempre viveu encalhada, mas sempre foi muito avacalhada pelo falecido marido. Ernesto morreu na zona sobre uma menina de 14 anos. Tinha 55. Foi aquela vergonha, muitos vieram dizer que Maria não merecia, mas por trás, claro, todos riram, todos gostavam mais do marido do que ela, inclusive os dois filhos. Por onde andam os filhos? Enquanto caminham até o bailão e Elza vai falando e falando, busca na memória a última vez que eles a viram. O mais velho, caminhoneiro, vem mais vezes, também telefona, mais por piedade ou porque o pastor lá da igreja dele manda.

Na última vez, ligou de Camaçari: “Mãe, tô na Bahia, tava no culto e o pastor falou que a gente tem que se apegar na família, daí to ligando para dizer que Jesus te ama, mãe”. Maria da Esperança agradeceu, mas no fundo ficou aquela mágoa: o filho ligou de tão longe para dar um recado de Jesus. Declaração do filho mesmo, nunca teve. O outro se perdeu na droga. A última vez que soube estava preso em algum lugar no interior do Mato Grosso. Os filhos sempre foram do pai, jamais dela. Culpa-se diariamente por não ter sido uma boa mãe.

Sentam-se numa mesa excelente, por isso chegam cedo, para garantir o melhor lugar, “para ver e ser vista”, como sempre Elza Diz. Não tarda surgem os primeiros convites para a dança. Maria nega sob a reprovação de Elza, que exige que o próximo convite seja aceito.

O próximo se chama Evaldo. Maria se levanta e inicia com Evaldo um vanerão. Ele se mostrou gentil e atencioso como há muito não via num homem. O pouco que conseguiram conversar durante a dança, Evaldo disse que era eletricista, separado, três filhos criados e encaminhados. E Maria se disse viúva e com um pouco de medo da vida. Sentam-se para descansar um pouco. Elza está empolgada nos braços de um homem que é o dobro do tamanho dela. Evaldo e Maria conversam naturalmente enquanto bebem refrigerante. Por dentro, um facho qualquer, esperança, talvez, surge. Maria coça o olho, o cílio cai, ela fica com vergonha. Pede licença e vai ao banheiro. Tira o cílio, não sabe porque colocou isso. Limpa o suor da testa, do colo e da nuca, volta para a mesa um tanto receosa de que Evaldo tenha desaparecido, mas não, ele está lá, à espera. E dançam até a banda Só Sentimento se despedir.

Maria da Esperança e Evaldo não se despedem. Ela fala dos infortúnios, das pequenas misérias que compuseram a vida. Ele atenua, diz que a vida é assim mesmo, e que nunca é tarde demais e que ela tem um nome tão bonito. Basta acreditar no nome, o resto acontece. E Maria da Esperança esperança-se pela primeira vez na vida.


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